Reescrita do “Eleições na ALEMA: o STF deveria procurar o que fazer”
Introdução
Após a publicação do “post” sobre as eleições de ALEMA, o MDB do Maranhão fez consulta sobre a ADI impetrada pelo Solidariedade no STF.
No parecer apresentado ao MDB o titular do blog se manifestou nos limites da objetividade da consulta e se ateve do que deve conter um parecer que eventual será usado nos autos do processo da ADI 7756 que impugna o resultado das eleições.
Para quem quer só compreender as questões da normatividade da Constituição sobre o caso, o parecer está anexo para consulta. O presente “post”, além de usar o inteiro conteúdo do parecer e do “post” anterior, apresenta algumas singularidades do caso concreto.
É que no Por Mim é diferente. Aqui vamos escrutinar todos os acontecimentos. Com Wittgenstein, Heidegger, Gadamer, Ernildo Stein e Lenio Streck aprendemos e apreendemos que a vida, assim como o direito, é linguagem, é faticidade, é existência, é tempo, é historicidade, é tradição autêntica. Com Luis Alberto Warat, o Por Mim corre léguas de distância do “senso comum teórico”.
Adiante.
Contextualização do caso
A ALEMA fez eleições antecipadas que resultou na reeleição da deputada Iracema.
Após a impetração da ADI 7410, que impugnava norma do RI da ALEMA sobre qual data devem ser realizadas as eleições para a mesa diretora, a ALEMA mudou o RI, anulou as eleições e marcou novas eleições para novembro de 2024. Ou seja, a ALEMA aceitou passivamente que o STF tem competência para definir quando as assembleias legislativas devem fazer ou não eleições.
Até o dia que se realizaram as eleições nenhuma celeuma ocorreu acerca das regras regimentais que cuidam das eleições, até porque as candidaturas tinham como certo o resultado. Ambas iriam ganhar.
A da deputada Iracema, porque tinha certeza de que o grupo que a tinha elegido duas vezes sofreu baixas insuficientes para não a confirmar como presidente e, sobretudo, porque não conseguiu identificar que muitos estavam a “conspirar”. Conspirar no bom sentido, já que esses “lances” são comuns na política.
A do deputado Othelino, porque tinha preparado, junto com os conspiradores do grupo da candidata Iracema, uma espécie de Cavalo de Troia, que adentraria para as eleições na ALEMA com 26 votos certos. Vitória garantida.
O deputado Othelino não se apresentou na ALEMA no dia das eleições para disputar eleições. Foi lá para ser confirmado como novo presidente. Foi para o trunfo.
Montado o palco para o ato espetacular e glorioso – com 26 votos certos, plateia para contemplar e aplaudir o resultado, banquete, festa da vitória preparada com início ali mesmo e que se estenderia até os Lençóis Maranhenses no feriado da Proclamação da República, eis que, diferente do que conta a história grega, na ALEMA o resultado do Cavalo de Troia da chapa do deputado Othelino não funcionou. As engrenagens do cavalo emperraram, faltou, pelo menos, uma das peças das cinco a mais que se tinham para fazer funcionar o estratagema.
Fico a imaginar o espanto dos concorrentes com o resultado tão diverso do esperado e a indagação comum dos dois: “quem mudou de lado”?
Segunda votação: deu empate novamente. Aplicado o Regimento Interno, venceu a mais idosa.
Eis o quadro do depois: o grupo da deputada Iracema foi ingênuo por não perceber os preparativos do Cavalo de Troia, sobretudo os ares e postura que o deputado Othelino demonstrava de que tinha motivos suficientes e de sobra para acreditar na vitória certa. O grupo do deputado Othelino porque, embora contando com o elemento surpresa, foi absolutamente incompetente quando se apegou ao “já ganhou” e não percebeu que entre alguns dos votos garantidos havia os “contraconspiradores”.
Da ressaca coletiva, restaram alguma falas de deputados e deputadas até o momento não totalmente esclarecidas: voto em troca de decisão judicial; voto em troca pagamento/perdão de dívidas; conversas ao telefone com ministro (Fufuca, Jucelino, etc.?). A apurar. Nas eleições para mandato eletivo isso tem o nome de captação ilícita de sufrágio, abuso de poder de autoridade e de poder econômico. Advirta-se, para evitar mais uma tese sem pé e cabeça, que esses fatos não pode ser levados para a Justiça Eleitoral.
Frustrado o estratagema do presente de grego, o partido do candidato derrotado foi buscar no STF a reversão do resultado para eleger o vencido/derrotado na peleja eleitoral.
Este o contexto necessário.
Da constitucionalidade do critério/regra adotado pela ALEMA para resolução de eleições com resultado empate
Os impetrantes, Solidariedade e o deputado Othelino Neto, apresentaram-se ao STF para alegar que o inciso IV do art. 8º, do Regimento Interno da ALEMA é inconstitucional porque “(…) a referida regra viola frontalmente a Constituição, por diversos ângulos, seja o Estatuto Parlamentar instituído pelos arts. 53 a 56, aplicáveis aos deputados estaduais por força do disposto no art. 27, § 1º da mesma Constituição; seja por ter fixado critério etário discriminador, em detrimento de critério meritório adotado, por exemplo, pela Câmara dos Deputados e até mesmo pela própria Assembleia Legislativa do Maranhão para desempates em outras disputas diversas dos cargos da Mesa Diretora, ferindo de morte o art. 5º, caput, e 19, III da Constituição”.
No texto da petição inicial também se faz alusão ao art. 57, § 4º da CF.
Nada é preciso argumentar sobre essas matérias, pois basta uma simples leitura dos dispositivos constitucionais acima mencionados, e ter conhecimentos rudimentares da língua portuguesa, para concluir que nenhum deles cuida de critério/regra de resolução de eleições com resultado empate em qualquer parlamento brasileiro. Numa palavra, os preceitos constitucionais não tratam de desempate.
A tese do Solidariedade, para o STF “eleger” o deputado Othelino, é fajuta. É uma mistura de aventura, fantasia, desvario e sofisma da pior qualidade.
A petição deveria nem ser recebida e conhecida.
A tal simetria (o princípio da simetria), criação do STF, se aplicada ao caso, seria para aquilo diz a Constituição, que nada diz sobre resultado empate de eleições nos parlamentos brasileiros.
Em nenhum lugar da Constituição há determinação para os parlamentos estaduais seguir/copiar, no todo ou em parte, o regimento interno da Câmara Federal, a título de aplicar a tal simetria. E por que da Câmara e não do Senado? Eis a questão.
Basta ler o dispositivo citado na ação do Solidariedade para constatar o sofisma: “Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando-se-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas.” (§ 1º do art. 27).
Ou seja, APLICANDO-SE-LHES AS REGRAS DESSA CONSTITUIÇÃO, e não do regimento interno da Câmara Federal.
Como diz Lenio Streck, “não se pode dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa”.
Nem que se invoque o princípio da caridade epistêmica é possível salvar o sentido atribuído/dado ao texto constitucional do § 1º do art. 27 pelo Solidariedade/Othelino.
A tese do Solidaridade/Othelino é irmã siamesa – unidas de corpo, alma e cabeça – da tese golpista de que o art. 142 da CF/88 autoriza as forças armadas a fazer corretivos, como poder moderador, nos reais poderes da República. Nem que as palavras da Constituição sejam torturas é possível atribuir os sentidos pretendidos pelas duas teses golpistas.
É a partir dessas teses que surgem as corrosões e conspirações contra o estado democrático de direito. São “o ovo da serpente”; é bem aí que se alojam os conspiradores contra a Constituição da República.
Outro aspecto importante é se observar que a ADI não visa o controle objetivo de constitucionalidade, pois revela apenas uma desavença subjetiva/individual do deputado Othelino, o perdedor das eleições, com a deputada Iracema, a vencedora.
O deputado Othelino, por meio do Solidariedade, vai ao STF requerer para o Tribunal “declarar a nulidade da proclamação do resultado da eleição para o cargo de presidente da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão para o biênio 2025/2026, ocorrida em 13.11.2024, e, por via de consequência, determinar que seja proclamado eleito o candidato com maior número de legislaturas;”.
Caso concreto/subjetivo na veia. O deputado Othelino quer ser proclamado eleito.
No caso dos autos da ADI 7756, o processo do Solidariedade, como dito, deveria ser arquivado, pois claramente tem características subjetivas, porque em processo de ADI etc. o julgamento deve ser, ou deveria ser, objetivo. Análise abstrata de norma.
Em ADI não se julga caso concreto/individual. O que o Solidariedade tenta fazer é contornar essa restrição para, por meio de STF, eleger o deputado Othelino.
Como é caso concreto, o questionamento deveria ser na Justiça Estadual comum do Maranhão. Mas foram tentar contornar diretamente no STF.
Tudo isso me faz lembrar o Ministro Gilmar Mendes – ele ainda estava quase só a enfrentar o lavajatismo – na corretíssima reação ao quase homicida Janot, quando afirmou que o ex-PGR estava a criar “o Direito Constitucional da malandragem”, que as teses do ex-PGR era “malandragem e patifaria jurídica”.
Para o caso concreto, faço minhas as palavras do Ministro Gilmar Mendes. Embora redundante, digo que no caso concreto a tese do Solidariedade/Othelino é criação de “Direito Constitucional da malandragem”, que é “malandragem e patifaria jurídica”.
Se o STF cumprir minimamente as regras da ADI, arquiva o processo.
Todavia, se o STF avançar no julgamento e tiver que criar alguma regra uniforme para todos os parlamentos do país, já que nada diz a Constituição sobre o assunto, que seja a mesma regra das eleições para cargos eletivos em geral, que é a da idade, norma existe no Brasil, pelo menos, desde 1965, no art. 110 do Código Eleitoral (“Em caso de empate, haver-se-á por eleito o candidato mais idoso”).
Lógico que, como o STF estará a criar regra nova, ela só pode surtir efeito para frente. Não pode retroagir, afinal é regra que irá penalizar a deputada Iracema eleita em eleições que já ocorreram. São aqueles preceitos/direitos/princípios/garantias/postulados estabelecidos na Constituição da República, na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) etc. que falam da anterioridade, da irretroatividade da lei, da proibição do “novatio legis in pejus”, da proibição do “in malam partem” etc.
Dito tudo isso, vamos ao que diz a Constituição da República e o STF.
Os princípios federativo, republicano e democrático (art. 1º., CF) já no início da Constituição dão o tom de como União, estados-membros e municípios devem se organizar: desde que não vulnerem a Constituição, cada um como ente federado que são, possuem as suas organizações próprias (auto-organização, autogoverno, auto legislação etc.). Sem isso, debalde falar de federação e república democrática, e rescrita precisaria ser a Constituição, ou melhor, edição de uma nova. Uma nova constituinte.
Logo depois já se apresenta, como que para deixar patente o já dito, o texto do art. 2º., a confirmar o pacto federativo ao pronunciar a independência e harmonia entre os poderes. Não por outra razão é que o STF assevera que “Em respeito ao princípio da separação dos poderes, previsto no art. 2º da Constituição Federal, quando não caracterizado o desrespeito às normas constitucionais, é defeso ao Poder Judiciário exercer o controle jurisdicional em relação à interpretação do sentido e do alcance de normas meramente regimentais das Casas Legislativas, por se tratar de matéria interna corporis” (RE 1.297.884 ED, rel. min. Dias Toffoli, red. do ac. min. Gilmar Mendes, j. 3-7-2023, P, DJE de 1º-9-2023, Tema 1.120 com mérito julgado.).
Ou que “É defeso ao Poder Judiciário questionar os critérios utilizados na convocação de sessão extraordinária para eleger membros de cargos diretivos, que observou os critérios regimentais da Casa de Leis, não podendo adentrar no juízo de pertinência assegurado àqueles que ocupam cargo eletivo na Câmara de Vereadores. A convocação de sessão extraordinária pela edilidade configura ato interna corporis, não passível, portanto, de revisão pelo Poder Judiciário, maculando-se o princípio da separação dos Poderes, assegurado no art. 2º da CF.” (SL 846 AgR rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 24-9-2015, P, DJE de 6-10-2015.).
Mudando o que deve ser mudado, “O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. (…) Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais.” (RE 427.774 ED, rel. min. Celso de Mello, j. 13-12-2011, 2ª T, DJE de 13-2-2012.).
O art. 18 da Constituição da República atesta a organização político-administrativa e a autonomia, a manter as mesmas razões do que contido nos arts. 1º. e 2º. (o sistema federativo). Autoadministração no sentido de capacidade decisória própria, “sem delegação ou aprovação hierárquica”.
Para o caso concreto é dizer: os parlamentos estaduais e municipais não atuam por delegação dos nacionais (Câmara Federal e Senado) e nem estão hierarquicamente subordinados a eles. “Revela-se inconstitucional, porque ofensivo aos postulados da Federação e da separação de poderes, o diploma legislativo estadual, que, ao estabelecer vinculação subordinante do Estado-membro, para efeito de reajuste da remuneração do seu funcionalismo, torna impositiva, no plano local, a aplicação automática de índices de atualização monetária editados, mediante regras de caráter heterônomo, pela União Federal.” (AO 366, rel. min. Celso de Mello, j. 22-4-1997, 1ª T, DJ de 8-9-2006; ADI 668, rel. min. Dias Toffoli, j. 19-2-2014, P, DJE de 28-3-2014).
A abraçar tudo quanto disposto nos preceitos constitucionais acima mencionados é o art. 25, a saber: “Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.”. É a reafirmação da auto-organização e auto legislação.
Desnecessário é dizer que não consta das normas previstas nos arts. 22, 23, 24, 48 e 49 da CF/88 quaisquer competências para a União dizer como deve ocorrer desempate de eleições nos parlamentos brasileiros, muito menos nas assembleias legislativas.
Aliás, o art. 11 do ADCT/88, manifestou expressamente a autonomia estadual: “Cada Assembleia Legislativa, com poderes constituintes, elaborará a Constituição do Estado, no prazo de um ano, contado da promulgação da Constituição Federal, obedecidos os princípios desta”.
É irrecusável compreender que o dispositivo impugnado, o inciso IV do art. 8º, do Regimento Interno da ALEMA, é matéria político-administrativa reservada à atuação normativa do Estado-membro, o que muito se assemelha ao que ocorre nas eleições dos tribunais, ou seja, “A previsão e eleição dos dirigentes dos Tribunais é função governativa, na medida em que tais dirigentes comandam um dos segmentos do Poder Público, devendo ser realizada pelos membros do Tribunal, sem ingerência externa.” (MS 37.887 AgR, rel. min. Alexandre de Moraes, j. 13-6-2022, 1ª T, DJE de 26-8-2022.).
O que pretende o Solidariedade é que o STF extrapole “as fronteiras do esquema de freios e contrapesos”, a vulnerar a legalidade constitucional (inciso II do art. 5.), porquanto “O princípio constitucional da reserva de lei formal traduz limitação ao exercício das atividades administrativas e jurisdicionais do Estado. A reserva de lei – analisada sob tal perspectiva – constitui postulado revestido de função excludente, de caráter negativo, pois veda, nas matérias a ela sujeitas, quaisquer intervenções normativas, a título primário, de órgãos estatais não legislativos. Essa cláusula constitucional, por sua vez, projeta-se em uma dimensão positiva, eis que a sua incidência reforça o princípio, que, fundado na autoridade da Constituição, impõe à administração e à jurisdição a necessária submissão aos comandos estatais emanados, exclusivamente, do legislador.” ( ADI 2.075 MC, rel. min. Celso de Mello, j. 7-2-2001, P, DJ de 27-6-2003.).
É que “Não cabe, ao Poder Judiciário, em tema regido pelo postulado constitucional da reserva de lei, atuar na anômala condição de legislador positivo (RTJ 126/48 – RTJ 143/57 – RTJ 146/461-462 – RTJ 153/765, v.g.), para, em assim agindo, proceder à imposição de seus próprios critérios, afastando, desse modo, os fatores que, no âmbito de nosso sistema constitucional, só podem ser legitimamente definidos pelo Parlamento. É que, se tal fosse possível, o Poder Judiciário – que não dispõe de função legislativa – passaria a desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador positivo), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados, competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes.” (MS 22.690, rel. min. Celso de Mello, j. 17-4-1997, P, DJ de 7-12-2006 e MI 708, rel. min. Gilmar Mendes, j. 25-10-2007, P, DJE de 31-10-2008).
De outra forma, a simetria evocada pelos impetrantes não tem a abrangência pretendida, pois, no dizer do STF, “No desate de causas afins, recorre a Corte, com frequência, ao chamado princípio ou regra da simetria, que é construção pretoriana tendente a garantir, quanto aos aspectos reputados substanciais, homogeneidade na disciplina normativa da separação, independência e harmonia dos poderes, nos três planos federativos. Seu fundamento mais direto está no art. 25 da CF e no art. 11 de seu ADCT, que determinam aos Estados-membros a observância dos princípios da Constituição da República. Se a garantia de simetria no traçado normativo das linhas essenciais dos entes da Federação, mediante revelação dos princípios sensíveis que moldam a tripartição de poderes e o pacto federativo, deveras protege o esquema jurídico-constitucional concebido pelo poder constituinte, é preciso guardar, em sua formulação conceitual e aplicação prática, particular cuidado com os riscos de descaracterização da própria estrutura federativa que lhe é inerente. (…) Noutras palavras, não é lícito, senão contrário à concepção federativa, jungir os Estados-membros, sob o título vinculante da regra da simetria, a normas ou princípios da Constituição da República cuja inaplicabilidade ou inobservância local não implique contradições teóricas incompatíveis com a coerência sistemática do ordenamento jurídico, com severos inconvenientes políticos ou graves dificuldades práticas de qualquer ordem, nem com outra causa capaz de perturbar o equilíbrio dos poderes ou a unidade nacional. A invocação da regra da simetria não pode, em síntese, ser produto de uma decisão arbitrária ou imotivada do intérprete.” (ADI 4.298 MC, voto do rel. min. Cezar Peluso, j. 7-10-2009, P, DJE de 27-11-2009., ADI 1.521, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 19-6-2013, P, DJE de 13-8-2013 e ADI 6.337, rel. min. Rosa Weber, j. 24-8-2020, P, DJE de 22-10-2020).
Na realidade, a aplicação da simetria ao caso concreto fica até certo ponto impossível porque os parlamentos nacionais são três, ou seja, o Congresso Nacional, a Câmara dos Deputados e do Senado Federal, como dita o art. 44 da CF, e cada um tem o seu regimento interno próprio. A qual seguir?
E o art. 47 da CF/88 nada diz sobre votação empate, mas apenas que “Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas Comissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros.”.
Nesse ponto, após esse percurso, é preciso revelar que há disposição constitucional que torna ineficazes e ilegítimas as alegações dos impetrantes, a desconstruir e desconstituir a pretensão deles. É o § 3º do art. 27 da Constituição da República que, textualmente, diz que as assembleias têm competência para editar os seus regimentos internos e não que devem copiar/seguir/ter como parâmetro o do Congresso Nacional, o da Câmara dos Deputados ou o do Senado Federal. Vide: “Compete às Assembleias Legislativas dispor sobre seu regimento interno, polícia e serviços administrativos de sua secretaria, e prover os respectivos cargos.”.
Por certo, são atribuições decorrentes da auto-organização vinculada diretamente aos poderes atribuídos aos estados-membros. Aqui pode-se falar mesmo de “autonomia administrativa” do parlamento estadual.
Como a dizer “cada um na sua”, é que, a Constituição da República, no § 3º do art. 27 diz que as Assembleias Legislativas é quem fazem os seus próprios regimentos internos; o art. 51, III, diz que o regimento interno da Câmara dos Deputados é competência dela estabelecer; e no art. 52, que o Senado é que faz o seu regimento interno.
A leitura correta, integra e coerente é: a Constituição não quis estabelecer regras para nenhum parlamento sobre como deve ser decidida eleição empate e cada parlamento tem sua autonomia para cuidar das suas eleições nos termos dos seus regimentos internos.
Importante também observar que quando a Constituição da República cuida do ente federado município não “subordina” o seu parlamento (a câmara municipal) a qualquer regra de regimentos internos dos demais parlamentos do pais. Segundo a tese dos impetrantes, é como se as câmaras municipais tivessem mais autonomia que as assembleias. Na realidade, o tratamento dado pela CF/88 às municipalidades, é apenas a manifestação do óbvio de que não existe hierarquia entre os parlamentos da submissão de um sobre o regimento interno de outro.
E o que pretendem os impetrantes é uma verdadeira revolução, pois seria preciso ultrapassar os limites impostos por cláusulas pétreas, na medida em que a forma federativa, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais são protegidas pelo art. 60, § 4º., I, III e IV, a saber:
Art. 60.
- 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I – a forma federativa de Estado;
III – a separação dos Poderes;
IV – os direitos e garantias individuais.
De verdade, “(…) a ideia de Federação – que tem, na autonomia dos Estados-membros, um de seus cornerstones – revela-se elemento cujo sentido de fundamentalidade a torna imune, em sede de revisão constitucional, à própria ação reformadora do Congresso Nacional, por representar categoria política inalcançável, até mesmo, pelo exercício do poder constituinte derivado (CF, art. 60, § 4º, I).” (HC 80.511, voto do rel. min. Celso de Mello, j. 21-8-2001, 2ª T, DJ de 14-9-2001.).
Numa linguagem simbólica, a pretensão dos impetrantes é a seguinte: não deu certo o Cavalo de Troia, vai-se ao STF requerer da Queda da Bastilha, a quebra das regras do jogo para instituir um novo regime.
Sobre a vulneração dos direitos e garantias individuais como cláusula pétrea, avançar no julgamento para conceder o bem pretendido pelos impetrantes, a destituição da deputada Iracema e colocar no lugar dela o deputado Othelino, estaria o STF a atuar como um juízo de exceção (inciso XXXVII do art. 5.) a criar e aplicar nova regra contra a norma constitucional de que a lei não prejudicará o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (inciso XXXVI do art. 5.).
Nesse ponto, é o próprio STF que diz que “O postulado da segurança jurídica, enquanto expressão do Estado Democrático de Direito, mostra-se impregnado de elevado conteúdo ético, social e jurídico, projetando-se sobre as relações jurídicas, mesmo as de direito público (RTJ 191/922), em ordem a viabilizar a incidência desse mesmo princípio sobre comportamentos de qualquer dos Poderes ou órgãos do Estado, para que se preservem, desse modo, sem prejuízo ou surpresa para o administrado, situações já consolidadas no passado. A essencialidade do postulado da segurança jurídica e a necessidade de se respeitarem situações consolidadas no tempo, especialmente quando amparadas pela boa-fé do cidadão, representam fatores a que o Poder Judiciário não pode ficar alheio.” (RE 646.331 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 18-11-2014, 2ª T, DJE de 10-12-2014.).
O art. 16 da CF/88 reforça o argumento de que o STF estaria a criar uma nova regra de eleições que não se aplica ao caso concreto, no sentido de que a regra nova não se aplica para eleições que já ocorreram (anterioridade eleitoral, segurança jurídica etc.). E o STF assim tem dito: “(…) as decisões do TSE que, no curso do pleito eleitoral (ou logo após o seu encerramento), impliquem mudança de jurisprudência (e dessa forma repercutam sobre a segurança jurídica), não têm aplicabilidade imediata ao caso concreto e somente terão eficácia sobre outros casos no pleito eleitoral posterior.” (RE 637.485, rel. min. Gilmar Mendes, j. 1º-8-2012, P, DJE de 21-5-2013, Tema 564, com mérito julgado.).
Voltando à questão de critérios/regras de eleições, não se pode ignorar que idade tem relevância para a Constituição da República, ao passo o critério/regra pretendido que seja adotado pelos impetrantes, quantidade de mandatos eletivos (“maior número de legislaturas”), nunca é mencionado. Repita-se: nunca.
Veja-se o relevante exemplo do art. 14, VI, que define as idades mínimas para que se possa concorrer a mandatos eletivos.
Quanto ao critério/norma de desempate de eleições, a maior idade ou mais idoso há preceito na Constituição da República que prevê, expressamente, esta regra. É o caso de empate entre candidatos, em segundo lugar, para eleições de segundo turno para presidente da República. Vide o que diz o § 5º. do art. 77: “Se, na hipótese dos parágrafos anteriores, remanescer, em segundo lugar, mais de um candidato com a mesma votação, qualificar-se-á o mais idoso.”.
Pronto: se uma analogia é possível, que seja dentro do próprio sistema, do corpo da Constituição e, no caso, perfeitamente em sintonia e harmonia com a Constituição o dispositivo da ALEMA impugnado pelos impetrantes que preceitua que “eleição do candidato mais idoso, em caso de empate;”. Até a redação é a mesma, mais idoso.
Alusivamente ao caso concreto, está evidenciado o caráter subjetivo da “demanda”, porque a pretensão dos impetrantes é claramente tirar a eleita e eleger o outro. Nessas hipóteses o STF é enfático quando pronuncia que “O controle normativo de constitucionalidade qualifica-se como típico processo de caráter objetivo, vocacionado, exclusivamente, à defesa, em tese, da harmonia do sistema constitucional. A instauração desse processo objetivo tem por função instrumental viabilizar o julgamento da validade abstrata do ato estatal em face da Constituição da República. O exame de relações jurídicas concretas e individuais constitui matéria juridicamente estranha ao domínio do processo de controle concentrado de constitucionalidade. A tutela jurisdicional de situações individuais, uma vez suscitada a controvérsia de índole constitucional, há de ser obtida na via do controle difuso de constitucionalidade, que, supondo a existência de um caso concreto, revela-se acessível a qualquer pessoa que disponha de interesse e legitimidade (CPC, art. 3º).” (ADI 2.551 MC-QO, rel. min. Celso de Mello, j. 2-4-2003, P, DJ de 20-4-2006.).
Dessa forma, acolher a pretensão do Solidariedade/Othelino tal como proposta, será subjetivismo, voluntarismo, discricionário, solipsismo, pura vontade de poder contra a Constituição da República.
Pontuadas as questões segundo a Constituição e o STF, vamos às nossas finais considerações.
Como não se sabe se o STF criará a nova regra pretendida pelo Solidariedade/Othelino, e porque em evidência no Brasil a questão das cotas, o STF deveria criar uma regra com escalonamento. Tipo: desempata em favor da candidata mulher, do candidato negro, do candidato indígena, do candidato que frequentou escolas públicas, do candidato LGBTIA+, do candidato de mais idoso, …., e, por fim e em último lugar, o candidato que tiver maior quantidade de mandatos eletivos, como quer o deputado Othelino.
Sejamos decentes, maior quantidade de mandatos eletivos, numa sociedade tal desigual como a brasileira, até certo ponto, é sinal de privilégio.
Pior: a regra evocada pelos impetrantes tem muito a ver com a pretensão de manutenção/perpetuação de poderes, de estamentos, de patrimonialismo etc., tudo bem antitético do que quis e quer a nova ordem constitucional de 1988.
Aliás, é de se perguntar se o STF vai criar uma regra nova para agradar um grupo político do Maranhão, pois, para usar uma fala comum do Ministro Gilmar Mendes, “é disso que se trata”, ou seja, o que se quer é criar uma regra nova para dar um golpe político num poder legislativo estadual, passando por cima da Constituição que prevê, expressamente, a autonomia dos Estados membros e de seus poderes e nada diz acerca da pretensão dos impetrantes.
E tem mais: já não basta a situação constrangedora do STF não julgar um processo que impede a composição de um tribunal de contas? Estão esperando formar maioria na ALEMA para, por exemplo, escolher o deputado Lula, que se candidatou à vaga no TCE e não teve êxito?
Penso ser o caso de todos os parlamentos estaduais se habilitarem no processo, pois o resultado do processo poderá provocar intervenção nas suas autonomias, sobretudo se o STF criar a nova regra e determinar a aplicação retroativa, para além de se deixar a porta aberta, na verdade, escancarada, para futuras outras intervenções indevidas na autonomias dos estados membros da federação, ou nos seus parlamentos.
Ou seja, não haverá desavença nos parlamentos estaduais que não irão parar no STF: bastará a desavença girar em torno de um disposto do regimento interno que não seja igual ao Câmara Federal. Será o caos.
Garantias, direitos e princípios constitucionais e convencionais estão em jogo no julgamento desse processo. As atenções devem ser redobradas, pois, embora seja inconstitucional a pretensão do Solidariedade/Othelino, não se desconhece que o STF, por exemplo, já chegou a ponto de esvaziar absolutamente o princípio constitucional e convencional da presunção da inocência (o que provocou a prisão do Lula, alimentou o monstro da Lava Jato, elegeu o Bolsonaro etc.) e, recentemente, voltou a esvaziá-lo para os casos do tribunal do júri.
Eleger anomalamente o deputado Othelino presidente na ALEMA e deseleger a deputada Iracema, diante de tantos e graves casos de “ativismo” do STF, será café pequeno.
É esperar, ter esperança mesmo e sincera, que o STF se dê o devido valor e se coloque no seu devido lugar de Corte Constitucional e fique atento para não ser manipulado e se deixar tornar uma espécie de “longa manus” de um grupo político-eleitoral do Maranhão.
É hora dos eventuais atingidos – os parlamentos estaduais, a ALEMA e a deputada Iracema, acompanhada de toda a chapa eleita – terem a coragem de fazer o devido e necessário constrangimento epistemológico ao STF.
Diz a lenda urbana que o STF tem direito de errar por último – e não concordo com isso ou discordo totalmente disso, pois o STF, como decide por último, nunca deveria errar, ou se errar minimamente deveria corrigir os erros, o que, em caso mais graves têm feito (alvíssaras) – no caso concreto não pode errar, sob pena de se tornar apenas o colégio eleitoral da ALEMA de última instância e não estará a fazer jurisdição constitucional (a resposta constitucionalmente correta).
A tese do Solidariedade/Othelino tem o mesmo DNA das “quatro linhas” imaginárias das viúvas de 64 que deformam o art. 142 da CF/88. Que o STF dê um chega prá lá nessa gente com aplicação das “quatro linhas” reais.
Por fim, para os néscios, deixo uma mensagem que extraio de um texto de Lenio Streck, já que não sei como dizer diferente e com a competência dele: “(…) queremos, todos, uma sociedade democrática. E, fundamentalmente, Instituições democráticas. Um judiciário democrático. Um Ministério Público democrático. Que as decisões de ambos não sejam fruto de opiniões pessoais. Que as decisões não sejam fruto do subjetivismo ou voluntarismo. Ninguém é neutro. A neutralidade é uma fraude. Não é disso que se trata. (…). Decidir não é o mesmo que escolher. Por isso, a necessidade de cobrarmos a responsabilidade política das decisões (cf. Verdade e Consenso, posfácio, 4ª Ed., Saraiva, 2011). É o que chamo de accountability hermenêutica.”.
Conclusão
Concluo, por tudo quando acima manifestado, que não existe nenhuma mácula de inconstitucionalidade no inciso IV do art. 8º, do Regimento Interno da ALEMA, tal como alegado pelo Solidariedade na ADI 7756, ante a incidência dos princípios federativo, republicano e democrático (arts. 1º., CF), do pacto federativo (art. 2º. Da CF), da separação, independência e harmonia entre os poderes, da auto-organização, do autogoverno, da auto legislação etc. (arts. 18, 25 e § 3º do art. 27 da CF e art. 11 do ADCT), do sistema federativo (autoadministração no sentido de capacidade decisória própria, “sem delegação ou aprovação hierárquica”), da legalidade constitucional (inciso II do art. 5. da CF) e das cláusulas pétreas forma federativa, separação dos Poderes e direitos e garantias individuais (art. 60, § 4º., I, III e IV).
Se há alguma regra/norma no texto constitucional que poderia servir de parâmetro para caso, é do § 5º. do art. 77 que diz que “Se, na hipótese dos parágrafos anteriores, remanescer, em segundo lugar, mais de um candidato com a mesma votação, qualificar-se-á o mais idoso.”, ou seja, há critério/norma de desempate de eleições constitucionalizado que é igual ao do inciso IV do art. 8º, do Regimento Interno da ALEMA.
Porventura o STF supere tudo quanto alegado, inclusive o art. 110 do Código Eleitoral, não poderá aplicar a nova regra para as eleições impugnadas na ADI do Solidariedade/Othelino ante a anterioridade eleitoral, a segurança jurídica etc. (art. 16 da CF).
O caso, portanto, impõe, com supedâneo em todas as razões apresentadas, primeiro, o não conhecimento da ADI, ou, segundo, a não declaração de inconstitucionalidade do dispositivo regimental da ALEMA impugnado.
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