As investigações que apuram suspeitas de venda de decisões em gabinetes do STJ (Superior Tribunal de Justiça) têm como principais indícios irregularidades encontradas no Tribunal de Justiça de Mato Grosso.
Trocas de mensagens entre o desembargador Sebastião Moraes Filho e o advogado Roberto Zampieri, assassinado no fim do ano passado, levantaram suspeitas de que houve pagamentos ao magistrado e aos seus familiares em troca de decisões judiciais favoráveis.Sebastião e o desembargador João Ferreira Filho, também do TJ-MT, foram afastados em agosto pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça). A Folha teve acesso aos documentos sob sigilo que fundamentaram essa decisão.
Atualmente as investigações relacionadas ao caso estão sob responsabilidade do ministro Cristiano Zanin, no STF (Supremo Tribunal Federal), porque houve menção a integrante do STJ.
As mensagens que estavam no celular de Zampieri foram extraídas pela Polícia Civil de Mato Grosso e analisadas pelo CNJ por ordem do então corregedor nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão.
Ao determinar o seu afastamento, Salomão listou que há suspeitas de que o desembargador mato-grossense ganhou duas barras de ouro de 400 gramas e que sua sobrinha recebeu R$ 10 mil do advogado.
Além disso, há indício de que uma empresa privada contratou e fez pagamento de R$ 200 mil ao filho do desembargador para conseguir vencer processo.
Procurada, a defesa do magistrado diz que esclareceu os questionamentos do CNJ nos autos.
A troca de mensagens entre Zampieri e Sebastião -786, entre 14 de junho e 5 de dezembro de 2023- levaram o CNJ a entender que havia uma relação de amizade íntima entre os dois, o que em si já tornaria o magistrado suspeito.
Além de fazer pedidos sobre os seus casos, o advogado também teria intermediado venda de decisões em benefício de outros advogados –um deles é Andreson de Oliveira Gonçalves, suspeito de atuar junto a gabinetes do STJ, como mostrou reportagem da revista Veja.
Os indícios de que Zampieri comprava decisões de Sebastião começaram em setembro do ano passado.
À época, diz análise do CNJ, o desembargador procurava o advogado “com alguma insistência”. As respostas, diz o documento, “podem, com boa probabilidade, indicar o recebimento de vantagens indevidas pelo magistrado”.
O defensor diz “o Pix está errado, estornou o valor”, por exemplo. “Tente mandar o Pix correto que faço agora”, afirma ao desembargador.
Cinco dias depois, diz que “o pagto da sobrinha foi feito”. Ele junta um comprovante de transferência bancária no valor de R$ 10 mil em benefício da sobrinha de Sebastião e pede o adiamento de um julgamento.
Em outubro, Zampieri manda uma mensagem a Sebastião informando que havia conseguido “um contrato muito bom para o Mauro”. E continua: “O senhor vai ficar feliz com o contrato que consegui para ele”.
Mauro, segundo o CNJ, é o advogado Mauro Thadeu Prado de Moraes, filho do desembargador.
“Tal relação, mais uma vez, sugere que havia troca de benefícios entre o advogado Roberto Zampieri e o desembargador e sua família”, diz o documento.
“Aqui se faz necessário um parêntesis: nos diálogos estabelecidos entre o falecido Roberto Zampieri e o contato gravado como ‘Valdoir Fource’, há clara referência ao recebimento de vantagens indevidas pelo filho do desembargador Sebastião, em razão de este ter atendido Zampieri no julgamento de um recurso.”
No dia 7 de novembro, aponta o documento, Valdoir procurou Zampieri para acertar valores, e o advogado diz que teve que pagar R$ 200 mil “ao filho do velho”.
Valdoir, de acordo com as investigações, é Valdoir Slapak. Ele e Haroldo Augusto Filho, seu sócio em uma empresa de consultoria chamada Fource, são citados no relatório do CNJ como interlocutores de Zampieri.
A Fource é uma empresa de gestão patrimonial e atuou na recuperação judicial bilionária de empresas do agronegócio. Uma dessas empresas estava envolvida em outra operação sobre venda de decisões judiciais, a Faroeste, que prendeu desembargadores da cúpula do Tribunal de Justiça da Bahia.
Em novembro do ano passado, Sebastião mandou a Zampieri no WhatsApp a figurinha de um homem chateado, “aparentando estar descontente com o advogado”.
“Pelo teor da conversa, é possível inferir que o magistrado esperou o advogado no tribunal e este não compareceu, motivo por que combinaram de se encontrar na segunda-feira”, relata o documento do CNJ.
“Ao final do diálogo, Roberto Zampieri mostra aparentemente duas barras de ouro ao desembargador Sebastião de Moraes Filho, que indaga se têm 500 g”, continua o órgão. Zampieri responde que são 400 gramas.
O advogado foi assassinado com dez tiros em dezembro passado. Na ocasião, ele estava dentro do carro, em frente ao seu escritório em Cuiabá.
Em seu celular, havia mensagens que levantaram as suspeitas de vendas de decisões por gabinetes de quatro ministros do STJ. As investigações iniciais apontavam como uma das motivações processos de disputas de terras que tramitam no Tribunal de Justiça de Mato Grosso.
Depois da morte, o magistrado mandou uma mensagem dizendo que Zampieri “ganhava e perdia nos meus votos e sempre mostrava ser um advogado consciente”. O CNJ interpretou essa declaração como uma tentativa de “plantar informações em seu favor” após o homicídio.
Procurados, os representantes do desembargador disseram “que todos os questionamentos feitos pelo CNJ em procedimento que tramita sob sigilo já foram devidamente elucidados nos autos, local onde serão apresentadas as suas manifestações”.
Os sócios da Fource disseram, em nota, que “repudiam avaliações precipitadas com base em mensagens descontextualizadas”.
Eles afirmam que “nunca foram parte nos processos discutidos na ocasião e mantinham acompanhamento deles tão somente para avaliação como meio de investimento em aquisição de ativos estressados”.
“[Os sócios] não contrataram o advogado Roberto Zampieri para atuar nas causas em questão e nunca tiveram qualquer contato com o filho do desembargador envolvido ou mesmo com o próprio magistrado. Por fim, afirmam que sempre atuaram dentro da mais absoluta lisura e transparência, colocando-se desde já à inteira disposição da Justiça para o mais célere esclarecimento.”
A reportagem não conseguiu localizar a defesa de Andreson de Oliveira.
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