Argentina opta pela ruptura com a desgraceira que afundou o país: Milei vence a Presidência

Publicado em   20/nov/2023
por  Caio Hostilio

Regularmente comparado a Bolsonaro e Trump, ultraliberal Milei liderou bem-sucedida campanha antissistema com propostas de redução drástica do Estado, mas também levantou temores de virada autoritária no país.

Fenômeno dessas eleições, Milei, da coalizão partidária personalista A Liberdade Avança, é um economista com pouca experiência política

Em meio a uma severa crise econômica, os eleitores da Argentina optaram neste domingo (19/11) pela ruptura. Com um discurso antissistema e propostas radicais para economia, o ultraliberal populista Javier Milei conquistou a Presidência, marcando uma reviravolta profunda no cenário político argentino.
Com 87,59% das urnas apuradas, Milei havia somado 55,95% neste segundo turno, contra 44,04% de Sergio Massa, o candidato governista neste pleito e atual ministro da Economia, que no final não conseguiu contornar a insatisfação dos argentinos com a crise e a inflação fora de controle.

Massa reconheceu a derrota para Milei antes mesmo da divulgação dos primeiros resultados da votação.

“Javier Milei é o presidente eleito pela maioria dos argentinos para os próximos quatro anos”, afirmou Massa. “Foi uma campanha muito longa e difícil, com conotações duras e espero que o respeito por quem pensa diferente seja estabelecido na Argentina.”

O novo presidente tomará posse em 10 de dezembro, no aniversário de 40 anos do fim da última ditadura militar.

Como Milei conquistou a Presidência

Num cenário de profunda crise econômica, o ultraliberal Milei, da coalização A Liberdade Avança, um economista com pouca experiência política e que foi eleito deputado pela primeira vez em 2021, acabou se tornando o principal beneficiário da insatisfação da população com o governo do presidente peronista Alberto Fernández, aliado de Massa.

Com uma mensagem “antisssistema” que incluiu ataques contra a classe política tradicional do país – especialmente o peronismo – e a defesa de um plano de redução drástica do Estado e de dolarização total da economia, Milei, de 53 anos, já havia conquistado no primeiro turno, em outubro, 30% dos votos, ficando em segundo lugar.

“Propomos a reforma do Estado, desregulamentar a economia, fazer privatizações e fechar o Banco Central. Se me deixarem, em 15 anos a Argentina pode alcançar níveis de vida como a Itália e a França, se me derem 20 anos, a Alemanha, e se me derem 30, os Estados Unidos. A Argentina está em decadência. Se continuarmos assim, em 50 anos seremos a maior favela do mundo”, disse Milei, durante um debate no primeiro turno.

Aparições de campanha de Milei foram marcadas por gestos teatrais, como empunhar uma motosserra e puxar coros de xingamentos contra adversários.

No segundo turno, moderou um pouco o tom das suas propostas disruptivas para a economia e recebeu o apoio de conservadores tradicionais do país, como o ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019) e da ex-ministra e candidata derrotada à Presidência Patricia Bullrich, que terminou em terceiro lugar na primeira rodada. No final, como atestaram os resultados, o apoio da direita tradicional acabou se revelando decisivo para a vitória do ultraliberal Milei. “Quando a pátria está em perigo, tudo é permitido”, disse Bullrich ao anunciar seu apoio a Milei no final de outubro, usando uma frase atribuída a José de San Martín, militar e estadista argentino do século 19.

“Ele [Milei] não é um líder, é um sintoma” da sociedade argentina, analisou o ex-ministro da Economia Domingo Cavallo. “Ele é um grande comunicador que serviu como um canalizador para todos aqueles insatisfeitos com a democracia, a política e a economia”, resumiu Juan Luis González, autor de uma biografia crítica de Milei, chamada El Loco (O louco), ao jornal La Nación.

Sombra sobre a democracia argentina

Ao longo da campanha, Milei também despertou temor em outras fatias do eleitorado, não apenas por suas propostas para a economia, mas também por questionamentos sobre seu comprometimento com a democracia.

Em sua campanha à Casa Rosada, o ultraliberal se associou a apologistas da última ditadura militar (1976-1983) — sua vice, Victoria Villarruel, já defendeu o fechamento de um museu que relembra as matanças do regime e nesta semana afirmou que a Argentina só sairá da crise com “uma tirania”.

Em um dos debates da campanha, Milei ainda questionou o número de mortos durante a ditadura.

Para o biógrafo de Milei, o discurso da dupla Milei-Villarruel representa um risco concreto. “A democracia já está ameaçada na Argentina. O perigo é real”, disse González.

Durante a campanha, Milei também emulou o americano Donald Trump e o brasileiro Jair Bolsonaro, lançando, sem provas, acusações de “fraude” contra o sistema eleitoral.

Novo presidente tomará posse em cenário de crise

Em crise perpétua há décadas, a Argentina, a terceira maior economia da América Latina, chegou ao pleito deste domingo em um cenário econômico degradado, que levou o atual presidente Alberto Fernández a desistir de concorrer à reeleição.

O dólar disparou nas últimas semanas, reforçando a agonia do peso argentino. Já a inflação anual na Argentina subiu para 142% em outubro – um recorde em mais de 30 anos. Hoje, na América do Sul, a inflação argentina só é superada pela da Venezuela, que vive uma crise humanitária. Para piorar, a vitória de Milei nas primárias, em agosto, fez o valor do dólar paralelo disparar em 11%, diante do temor de um cenário de instabilidade política. É provável que a vitória de Milei mande novos sinais de turbulência nos mercados na próxima semana.

Os argentinos também estão lutando para sobreviver, com cerca de 40% da população vivendo na pobreza. A taxa de desemprego é de 6,2%, praticamente a mesma de uma década atrás.

Analistas apontam que o próximo presidente, que tomará posse em dezembro, terá dificuldades para encontrar uma solução rápida para os atuais problemas, que têm raízes em décadas de má administração governamental.

Nas últimas oito décadas, o país experimentou apenas quinze anos de inflação abaixo de dois dígitos. A dívida e o déficit fiscal também têm sido a norma na Argentina. Entre 1961 e 2022, houve apenas seis anos com superávit fiscal nas contas do país.

  Publicado em: Política

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