Fernanda conta que, assim que ele saiu, continuou sem ação por um tempo. Sem entender como aquilo tinha acontecido na pequena cidade onde nasceu, no Sul de Minas Gerais, numa família de cinco irmãos, três deles homens. Quando se viu sozinha de novo na loja, começou a tremer ainda mais forte com a descarga da adrenalina e caiu em prantos. Só começou a melhorar e a pensar no que tinha que fazer ao tomar um ansiolítico. Foi quando ligou para a companheira, com quem está casada há cerca de três meses, depois de um namoro por mais de oito anos.
– Eu liguei para a minha companheira ainda chorando. Ela disse que estava indo para a loja e que era para eu chamar a polícia. Fui atendida por uma policial mulher, que foi muito atenciosa, e mandou uma viatura muito rapidamente, mas ele já tinha fugido – diz Fernanda.
Desde o início ela acionou a polícia, mas não tinha pretensão de dar divulgação ao caso. Revoltado, um dos seus irmãos informou sobre o ocorrido em um grupo de whatsapp da cidade. Além da preocupação com a irmã, ele também queria alertar outros moradores do município de pouco mais de 43 mil habitantes, com índices baixos de criminalidade, que havia um maníaco atacando mulheres e que, num primeiro momento, podia parecer se tratar de um assalto. “Quando ele mandou eu ir para a cabine, eu jurava que era um assalto”, conta Fernanda, que abriu a loja em 2019.
Logo após o alerta do irmão, começou uma rede de solidariedade. Fernanda começou a receber centenas de mensagens de pessoas da cidade, entre moradores e comerciantes. Algumas assustadas, todas querendo saber se estava tudo bem com ela. Entre tantos afagos e desejos de que ela se recuperasse logo, chegou a mensagem de uma jovem de 17 anos que trabalha numa outra loja que vende artigos animais e que também reconheceu o suspeito como sendo o homem que, dois dias antes, havia tentado o mesmo com ela. A adolescente também será ouvida por policiais.
Fernanda conta que começará a fazer terapia pela primeira vez na vida. Depois de ter escapado do assediador, ela pensou até em abandonar a loja, que vende roupa unissex no bairro Maristela, bem próximo do Centro, uma conquista que lutou muito para alcançar. Segundo ela, só desistiu de jogar tudo para o alto depois de conversar com a mãe, a sogra e a mulher. Fernanda ainda está surpresa com a banalidade do assédio, de como o homem chegou pedindo peças tamanho G ou GG e puxando assuntos “aleatórios” como muitos outros clientes: comentários sobre “como a máscara incomoda”, perguntas como quantos anos ela tinha e recomendações de que devia beber muita água “para não ter problemas renais”. Isso a assusta. Mas ela acredita que, com o apio da família, vai recuperar a coragem: “Elas disseram que não era justo eu deixar tudo para trás, minha vida, por causa de um retardado. Mas não é nada fácil. Estou muito assustada. Fico pensando que, se ele tivesse conseguido baixar minhas calças, teria me estuprado ali mesmo”.
Ela se sente amparada também pela cidade:
– Em 20 minutos, depois que meu irmão informou o que acontecia, eu já tinha recebido mais de 200 mensagens de Whatsapp e também pelo Instagram e pelo Facebook. Então, conversei com a minha companheira e resolvi fazer um vídeo contando o que aconteceu para acalmar as minhas clientes, para que elas soubessem que estava tudo bem. Também porque acho que é importante mostrar que a mulher não sofre assédio porque está vestindo ” blusa cropped” (curta) ou shortinho. Eu fui atacada, toda vestida, no meu local de trabalho”.
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