Um homem condenado em primeira instância a 18 anos e 8 meses de prisão por estupro de uma sobrinha de 8 anos foi beneficiado por decisão da 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo na última quarta-feira (04) que descaracterizou o crime de estupro para “importunação sexual”.
O desembargador e relator do caso João Morenghi considerou irrelevante o fato de a vítima ter menos de 14 anos de idade, e estabeleceu a pena em um ano, quatro meses e 10 dias, podendo assim ser substituída por prestação de serviços à comunidade.
Por duas vezes, o tio colocou-a sentada em seu colo e esfregou acintosamente o genital no corpo dela. Em 2018, novamente sozinho com a criança, apertou os seios dela. Desta fez, porém, ela contou para a avó e, depois, para a mãe. Para a avó da criança o acusado disse ser apenas uma brincadeira.
Na Justiça, ele afirmou que os parentes queriam causar a separação dele e de sua esposa. Após ter revelado o abuso, a menina afirmou ter medo de que o tio quisesse se vingar de sua mãe.
“Parece claro que, ao aludir a outros atos libidinosos alternativamente à conjunção carnal, o legislador não visou qualquer conduta movida pela concupiscência [desejo por prazeres sexuais], mas apenas aquelas equiparáveis ao sexo vaginal. E os atos praticados pelo apelante — fazer a vítima se sentar em seu colo e movimentá-la para cima a fim de se esfregar nela e apertar os seus seios — por óbvio, não possuem tal gravidade”, afirmou o desembargador.
No recurso apresentado ao Tribunal de Justiça, a defesa do tio estuprador afirmou não ser recomendável que “condutas mais singelas”, embora ainda reprováveis, tenham o mesmo tratamento penal e jurídica “de conjunção carnal, sexo oral e sexo anal”.
No acórdão, o desembargador Morenghi afirma que é preciso aplicar o princípio de proporcionalidade e reservar a pena mais grave, do crime de estupro, com pena mínima de 6 anos de prisão, para quando ocorre conjunção carnal, ou seja, penetração.
Cita ainda jurista que, antes da Lei 12.015/2009, classificou “amassos”, “toques nas regiões pudentas”e “apalpadelas” como “atos libidinosos”.
Com a lei 2.015, a Justiça passou a entender que todo ato libidinoso com menores de 14 anos configura estupro de vulnerável, previsto no artigo 217-A do Código Penal. O Superior Tribunal de Justiça reforçou o entendimento e acrescentou ainda que é irrelevante eventual consentimento da vítima ou experiência sexual anterior, já que muitos homens usavam tais argumentos para escapar da pena de estupro de vulnerável.
Para a promotora e integrante do Ministério Público Democrático, Fabíola Sucasas, a decisão da 12ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP desconsidera a jurisprudência e o avanço nas leis de proteção a menores de 14 anos e a lei é muito clara no sentido de incluir qualquer ato libidinoso, não apenas conjunção carnal.
“Não podemos fazer essas ginásticas, que inventam teses como legítima defesa da honra, estupro culposo, ou mesmo a tal importunação sexual de vulnerável, instrumentos de silenciamento de nossos direitos. Lamentável a decisão, que retrata a necessidade de exigirmos uma mudança radical no pensamento machista brasileiro”, afirmou.