Por BBC News
Enquanto sindicalistas discursavam no maior carro de som durante a manifestação contra o bloqueio de verbas para a educação nesta quinta-feira (30/5), em São Paulo, um grupo de seis estudantes do primeiro ano do ensino médio acompanhava as falas à distância.
“Estou aqui porque critico o Bolsonaro, que faz um governo horrível e tira verba da educação. Mas não sou a favor do PT, que também prejudicou o país, e nem de Lula”, disse Eric Freire, de 15 de anos, que participava pela primeira vez de um protesto contra a política educacional do governo.
“Aqui tem muitos sindicatos que, quando convém, apoiam os estudantes, mas que também apoiam políticos envolvidos em corrupção”, afirmou a colega Ísis Cavalcante.
Autoridades não estimaram o número de pessoas presentes; para organizadores, foram “mais de 200 mil”, muitos dos quais professores e estudantes. As manifestações ocorreram em várias cidades do país e sucederam protestos ocorridos em 15 de maio, confrontados por atos pró-Bolsonaro no último domingo.
Para o grupo de seis estudantes entrevistados, a presença de outros movimentos e causas no protesto “é parte da democracia e não deslegitima a manifestação, nem os milhares que não estão carregando bandeiras”.
Mas, como aquela turma, muitos manifestantes ouvidos pela BBC News Brasil e que não pertenciam a qualquer grupo organizado se diziam preocupados com a possibilidade de que o movimento perdesse foco e público caso passasse a se confundir com a esquerda tradicional.
O próprio presidente Jair Bolsonaro já havia associado os manifestantes a militantes políticos de esquerda ao comentar a primeira leva de protestos contra o bloqueio de verbas para universidades federais, em 15 de maio. Na ocasião, ele disse que os manifestantes eram “idiotas úteis” que estariam servindo de “massa de manobra de uma minoria de espertalhões”.
Bolsonaro diz que o bloqueio de verbas é um “contigenciamento” (suspensão temporária) e se deve à queda na arrecadação de impostos. Segundo o governo, foram retidas 30% das verbas discricionárias (não atreladas a despesas obrigatórias) das universidades federais.
Junho de 2013
“Dá, sim, um medo de fugir da pauta”, disse o engenheiro industrial Andrei Moreira, que assistia ao ato com uma bicicleta alugada do Itaú.
Funcionário de um banco, ele lembrou os protestos em junho de 2013, “que começaram de um jeito e terminaram de outro”. Convocados contra o aumento nas passagens de ônibus, os protestos daquela época passaram a agregar bandeiras e grupos diversos, entre os quais manifestantes anticorrupção e contrários ao PT.
Moreira disse que o bloqueio de verbas afetaria serviços básicos nas universidades, como a limpeza. Mas ele não fazia coro aos que pediam a rejeição da reforma da Previdência – medida que disse considerar necessária, embora divirja de aspectos da proposta do governo.
Um dos momentos mais explícitos de divergência entre os manifestantes ocorreu pouco após o grupo deixar o largo da Batata, no bairro de Pinheiros, rumo à avenida Paulista, quando haviam acabado de discursar o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e ex-candidato do PSOL à Presidência, Guilherme Boulos, e o secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna.
Um dirigente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) pediu no microfone apoio à greve geral convocada para 14 de junho e tentou puxar o coro “unificou, unificou / estudante com trabalhador”.
Um grupo de jovens – vários dos quais portavam bandeiras do movimento anarquista – rebateu com outra palavra de ordem: “Greve geral não é palanque eleitoral”.
Uma das faixas carregadas pelos estudantes equiparava sindicatos a outros inimigos de primeira ordem: “Abaixo o governo, o patrão e a burocracia sindical”.
Também se ouviam críticas a entidades estudantis e de jovens presentes nos carros de som, como a UNE (União Nacional dos Estudantes), a UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) e a UJS (União da Juventude Socialista) – organizações ligadas ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
“Algumas dessas organizações recebem muitos recursos, tem gente que ganha dinheiro para trabalhar nelas. Não sei até que ponto são confiáveis”, afirmou a estudante de naturologia Giovanna Felicio, que distribuía folhetos de um coletivo antifascista.
“Depois da eleição do Bolsonaro, alguns partidos fingiram que estavam do lado dos estudantes, mas não estavam de verdade. Agora eles querem se apropriar de nossos discursos”, disse a jovem.
Uma manifestante desautorizou os jovens contrários à presença de políticos e sindicatos no ato. “Isso é falta de pensamento crítico”, disse a professora e tradutora Isabel Gomes.
“Não tem como a pauta ser só educação. Qualquer transformação passa pela política, e precisamos de partidos que se contraponham ao partido do presidente”, afirmou Gomes, que disse não pertencer a qualquer legenda.
Membros de movimentos sociais também criticavam a tentativa de barrar grupos políticos organizados e outras causas no ato.
“Na história do Brasil, em todos os momentos de defesa da educação, esses movimentos estiveram presentes”, disse Natalia Szermeta, da coordenadação nacional do MTST.
Ela afirmou que a presença de sem-teto no ato se justificava porque o bloqueio de verbas “atinge diretamente as famílias do MTST, que são aquelas que acessam escolas públicas”.
Szermeta disse que a educação era a causa principal da manifestação, mas que impedir outras bandeiras – como o movimento “Lula Livre” – seria uma atitude “autoritária”.
“Essas pautas não se sobrepõem à central. Vivemos numa democracia, e as pessoas têm a liberdade de trazê-las”, defendeu.
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