Olá Caio, tudo bem?
Segue sugestão de texto opinativo do especialista em Ética Profissional e Direito Eleitoral, Savio Chalita.
Permaneço à disposição para quaisquer demandas relativas.
Obrigado e um ótimo trabalho!
Por Sávio Chalita
Um caso ocorrido na última segunda-feira, envolvendo advogada e juiz da 2ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza onde o magistrado diz que advogada não está capacitada para exercer a profissão” me chamou muito a atenção e, imagino, de outros colegas do Direito e, até, da sociedade em geral. O juiz de direito teria repreendido a advogada em razão de que esta, após inúmeras tentativas de despachar pedidos de tutela de urgência, sempre recebia a informação de que não seria possível, mesmo que aguardasse por horas no fórum. “O magistrado estava muito ocupado”.
O caso em questão envolve pedido de guarda de dois menores que, supostamente, eram violentados pela mãe. Inúmeras foram as tentativas de despachar com o juiz, segundo se afirma. Haviam pedidos de tutela de urgência protocolado desde novembro. Neste interregno, uma das crianças veio a falecer em razão de problemas de saúde.
Não há notícias mais detalhadas da existência de vínculo quanto ao não atendimento aos pedidos de tutela e o falecimento da criança. Ocorre que, em um ato de desabafo (provavelmente), a advogada entrou em contato com a serventia quando soube do falecimento da criança, indicando que a demora daquela vara, do juiz e dos serventuários teria ocasionado o falecimento da criança.
Em ocasião de uma audiência, o Juiz interpela a advogada sobre as afirmações que havia feito sobre o “nexo do falecimento” à morosidade da serventia e do próprio juízo. A advogada ao se explicar, chega às lágrimas, emocionada com o falecimento de um dos menores. Não desmente e não censura as afirmações de que teria propagado sobre vínculo entre a trágica morte e a morosidade do juízo.
Na sequência o magistrado faz duras críticas e extrapola. Alguns pontos merecem destaque, tal como a afirmação de que a advogada “tem idade pra ser filha dele”, que a advogada seria “imatura, ingênua e com pouca vivência na prática”, que o advogado não pode se envolver “emocionalmente” com o processo, que ela teria “se queimado com ele” e com todos os demais cuja história ele compartilhasse e, por fim, que não entendia como a OAB dá um título para alguém que não está qualificada para exercer a profissão.
Algumas considerações:
A pouca idade de um advogado jamais vai dizer sobre sua competência, verdadeira devoção ou qualidade técnica de sua atuação. O contrário também é verdadeiro. Infeliz colocação do magistrado. Não há pertinência. Não há hierarquia entre magistrados, promotores e advogados (art. 6, EOAB), cabendo-lhe um tratamento digno, respeitoso e urbano. A única distinção se dá pelas funções que exercem em prol da concretização da justiça aos jurisdicionados. Aos advogados, a indispensabilidade da administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações quando no exercício da profissão (Art. 133, CF).
Em breve análise acadêmica, importante lembrar que embora inviolável (imunidade do advogado), seus atos e manifestações podem constituir calúnia ou desacato (injúria e difamação, não – §2, art. 7°, EOAB).
A pouca vivência da prática, realmente, pode ser determinante quanto à postura em algumas situações, principalmente àqueles que atuam no contencioso, realizando audiências, ativamente no processo. No entanto, mesmo inexperiente, haverá gana e uma grande sensibilidade quanto à percepção da enorme diferença na vida daquelas pessoas, seus clientes. Pouca liquidez nestes sentimentos e mais concretude nesta percepção.
Quanto ao envolvimento emocional com o processo, também discordo. Posso ser voz menor dentre outros colegas, eu sei. O advogado, realmente, não deve se emocionar com o processo. Afinal, ele é frio, formal, inflexível. Mas deve acreditar no que atua. Ter paixão. Emoção que não pode cegar ou servir de neblina. Impõe-se ao profissional inteligência emocional, mas não ausência de envolvimento.
Em dado momento, ainda, é dito à advogada que ela havia “se queimado” com ele. E o mesmo aconteceria quando compartilhasse tais fatos aos demais colegas (referindo-se aos magistrados das demais varas da comarca, provavelmente). Ora, não deve o advogado temer o desagrado da autoridade quanto à atuação profissional. Não deve temer, sequer, eventual impopularidade (art. 31, §2°, EOAB). Sua atuação deve ser, portanto, destemida, altiva e balizada com o que garante o Estatuto da OAB e preconiza o Código de Ética.
Por fim, a OAB não concede títulos. O Estatuto da OAB (Lei Federal 8.906/94) relaciona requisitos a serem cumpridos por aquele que pretende inscrever-se como advogado. É necessário o cumprimento dos requisitos do at. 8, EOAB e ter seu pedido deferido (se cumprido).
A fala do magistrado é desrespeitosa. Ofensiva. Tenta afastar o foco da maior crítica (morosidade e falta de atendimento ao advogado). Contrária às posturas que magistrados têm imprimido Brasil afora. Recebo aos montes mensagens de alunos que, em estados diferentes, registram placas e orientações que juízes indicam até na porta de seu gabinete “Entre sem bater”, “Número de whatsapp para casos de emergência”, entre outros.
A propósito, não cabe aos servidores ou ao próprio juiz criar embaraços (como agendamentos ou designação de dias específicos para atendimento) quanto ao acesso do advogado (art. 7, VIII, EOAB), que dependeria tão somente de respeitar a ordem de chegada de eventuais colegas que tivessem antecedência na intenção de tratar diretamente com o magistrado.
O desrespeito final, que chama a atenção ao ouvir o áudio, se dá quando o magistrado esbraveja que não quer mais ouvir o que a advogada tem a dizer, quando a colega tenta justificar ao final da gravação. Cabia a prerrogativa do uso da palavra pela ordem, cabível justamente para replicar acusação ou censura que forem feitas ao advogado quando em seu exercício profissional (art. 7, XVII, EOAB).
Respeito às prerrogativas do advogado é Lei, não favor e tampouco privilégio. Se diante de um abuso por parte do advogado, cabe ao magistrado oficiar ao Conselho Seccional competente (se infração disciplinar, do local do fato) para que atue de ofício. Ou mesmo, representar disciplinarmente.
*Savio Chalita é mestre em Direito. Professor universitário e do Centro Preparatório Jurídico (CPJUR) nas disciplinas de Ética Profissional, Estatudo da OAB e Direito Eleiroral. Autor de várias obras jurídicas.
Sobre O CPJUR
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Publicado em: Governo