Ainda sobre o médico Campos da Paz…

Publicado em   26/jan/2015
por  Caio Hostilio

aloysio-campos-da-paz-nasceu-no-rio-de-janeiro-em-1934Não poderia deixar de republicar alguns dos questionamentos feitos ao ilustre mestre Campos da Paz pelo Correio Brasilienze e suas respostas… Respostas que me pautaram minha em gestão pública e, principalmente, na condução da busca do ensino superior realmente voltado para o ensino/aprendizagem. Eis aí minhas críticas ao curso de medicina oferecido atualmente pela UFMA e, principalmente, os motivos pelos quais sou contra a abertura do curso de medicina em Imperatriz sem estrutura, cujos princípios da indissociabilidade em ensino, pesquisa e extensão não existirão.

Para ler a matéria completa clique aqui.

Por que o governo brasileiro não o adota o modelo do Sarah na gestão de grandes hospitais, como o Hospital de Base?

Você teria que mandar para casa a minha geração. Você só constrói, muda, se convencer os jovens. E você só convence os jovens se praticar o discurso que você faz… Um professor faria todo um discurso sobre dedicação exclusiva e às 5 horas da tarde pede licença para ir para o consultório particular. A transformação da assistência médica depende de uma conciliação do discurso com a prática. Não é complicado, mas demanda coragem. Uma luta política que vai conflitar com grandes corporações, com interesses pessoais bastante arraigados. O objetivo da rede Sarah hoje não é o de resolver o problema de assistência médica no país. Jamais foi! É o de criar um modelo que seja contraditório, para que a população entenda que pode existir um modelo diferente do que está por aí. Um pensador disse certa vez que o Sarah é um belo modelo de contradição. É preciso dizer que Brasília começou com um modelo de assistência médica semelhante ao Sarah. Ele foi deturpado pelo tempo.

Então o sistema público será engolido pelo privado?

Não é o que prevê a Constituição. Fui assessor da comissão de Saúde da Constituinte (entre 1986 a 1988) e criei a frase “Medicina é um dever do Estado e um direito do cidadão”. Só que nos capítulos seguintes determinam que quando o estado não puder prover, ele contrata a iniciativa privada. O que ocorre: o médico trabalha para o Estado e para a iniciativa privada. O médico e todo mundo. Aí implode o hospital público para transferir para o hospital privado, para obter lucros. Isso é o que está acontecendo. Essa decadência do serviço público no Brasil, que agora está sendo transferindo para a educação, decorre dessa coisa esquizofrênica. Quem paga essa conta somos nós, com o Imposto de Renda. O mesmo recurso que financia a Rede Sarah, vem da mesma fonte que financia o serviço privado no país. Na Constituinte, nós propomos o seguinte: você quer fazer medicina privada, ótimo; corra o risco do capital; o governo não pode bancar isso. No entanto, essa tese foi deturpada na elaboração da Lei Orgânica da Saúde.

O senhor também critica o isolamento de pessoas doentes em UTIs. Para o senhor, com mais de 50 anos de prática médica, como deve ser o tratamento de um paciente grave?

Eu venho de uma época em que as famílias, incluindo as crianças, estavam ao lado das pessoas queridas antes delas morrerem. Isso aconteceu no falecimento da minha avó e do meu avô, como conto no livro. Eu acho, no mínimo, cruel isolar uma pessoa dos seus entes queridos quando ela vai morrer.

Como deve ser o tratamento de uma pessoa em estágio terminal?

No Sarah, não temos UTI. Todos os equipamentos de cuidados intensivos podem ser levados de um lado para outro. Temos uma unidade que chamamos de primeiro estágio, onde há uma concentração maior de pessoas, que sabem lidar com esses aparelhos, mas a família entra. Não entram multidões, mas poucas pessoas, tomando cuidados contra infecções hospitalares. O importante é que a família esteja junto.

Essa experiência pode ser adotada por outros hospitais?

Tudo é possível. Basta querer. O problema não é de possibilidade, mas de vontade.

Quais foram pessoas importantes na criação do Sarah?

João Paulo de Reis Velloso. Foi uma pessoa que fez um trabalho muito importante no Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica aplicada) e na Seplan na década de 1970. Sem ele, dificilmente o projeto seria aprovado. Na elaboração do projeto, Eduardo Kertesz, que já morreu de câncer de pâncreas. Na transformação do Sarah como embrião de um projeto que veio a se tornar nacional, o ex-presidente José Sarney. Depois, alianças com pessoas como Lucio Costa, Pompeu de Souza, Darcy Ribeiro… Muitas pessoas de ontem e de hoje, várias delas que fazem parte do conselho. A ideia de criar o conselho, para respaldar os princípios e o cotidiano do Sarah, foi do Magalhães Pinto (José de Magalhães Pinto, político mineiro e criador do Banco Nacional). Quando eu lutei para que o Congresso aprovasse a lei que dei origem a rede Sarah (no início dos anos 1990), várias pessoas ajudaram nessa missão. Até então, o Sarah era uma fundação, vinculada ao Ministério da Saúde. Com a lei (aprovada em 1991), passou a ser uma associação (das Pioneiras Sociais) com contrato de gestão com o Ministério da Saúde. Portanto, uma instituição pública, não estatal. É difícil mencionar nomes sem fazer injustiça. São tantas pessoas…

A Rede Sarah precisa ser ampliada?

Não! Não. Você não faz assistência médica com tijolo, com estrutura metálica. Você faz com gente. E hoje no Brasil gente com G é muito difícil, devido ao grande número de faculdades de medicina que preparam pessoas sem qualificação e não há cursos de pós-graduação. Eu te dou um exemplo: Em 1917, a situação nos Estados Unidos era semelhante a que vivemos hoje aqui. O governo americano pediu um relatório, denominado Flexner. Era uma época em que médicos puxavam carochinha, vendendo xaropes de longa vida. Flexner fez o levantamento e propôs o fechamento da maioria das faculdades de medicina. A medida foi adotada em 1921/22 e implantou-se a residência médica. Além disso, o médico para praticar a profissão tinha de fazer uma pós-graduação em um serviço médico. A medicina americana deu um grande salto. Agora, está em crise devido a problemas econômicos, às grandes corporações e aos planos de saúde.

O governo brasileiro deve tomar a mesma atitude agora para melhorar a qualidade do ensino médico?

A qualidade do ensino médico começa pela qualidade da educação fundamental. Esse negócio de ficar abrindo faculdades, achando que vai melhorar a qualidade e o acesso é besteira. O Brasil tem que investir pesado na educação fundamental, para criar novas gerações qualificadas, que vão abrir os seus caminhos e ingressar no ensino superior – ser médico, engenheiro, advogado, fotógrafo… Esse problema não se resolve em um governo; resolve-se em três décadas, no mínimo, se começar hoje. Tem que se aplicar todos os recursos para educação no ensino fundamental. Todos. Manter as universidades federais. E as universidades particulares que se virem; elas cobram. Não podem receber subsídios do estado, como bolsa-educação. Um absurdo!

Qual é o ponto mais importante da criação da rede Sarah?

Desde a origem do projeto a missão principal é formar gente. Centenas e centenas de profissionais se formaram na rede Sarah. Muitas ficaram, muitas saíram. O sucesso da instituição se deve a um projeto constante, cotidiano e coerente de formação. E é uma formação que não implica somente no conhecimento da técnica; implica também em opções ideológicas. Não é fácil atrair um jovem para dedicar a sua vida a uma causa. O Sarah é uma causa. A pessoa larga tudo para ficar em tempo integral, com dedicação exclusiva. É bem paga, pois vivemos em uma sociedade de consumo. Precisa se dedicar e nem todas as pessoas querem correr o risco de cortar as amarras. Muitas vêem, trabalham, se qualificam e vão para os que eles chamam “a selva”. Alguns voltam da “selva” em outras seleções, porque aqui só é admitido com concurso público, bastante rigoroso.

Abaixo um comentário e uma resposta minha para que possam melhor mensurar…

Antonio Lima disse:

Como você se sente, tendo convivido junto a todos esses avanços que o Hospital Sarah desenvolveu, e continua desenvolvendo prestando serviço de excelente qualidade para a população, e hoje, conhecedor da realidade da saúde pública do nosso País, vê todos esses descasos das autoridades com a rede pública de saúde, sabendo que poderia ser bem diferente?

Que falta para termos o modelo do Sarah implantado em todas as unidades de saúde do nosso País, seria querer algo impossível?

Admin disse:

Antonio, Jatene quando foi Ministro da Saúde esteve no Sarah, é disse que o modelo do Sarah deveria ser copiado por todos os países, pois ali se via realmente a medicina em sua essência, principalmente com pesquisa e extensão. Não demorou para que hospitais de São Paulo copiassem o modelo do Sarah, como o INCOR, SIRIO e o Hospital da USP. Não seria dificil colocar em prática esse modelo no Brasil, para isso a exclusividade dos profissionais seria o primeiro passo, contudo mexeria com o bolso dos donos de clínicas particulares e, principalmente, dos Planos de Saúde. É como Dr. Campos disse na entrevista: “E preciso ter coragem”. Vou lhe dar um exemplo claro que mudanças mal feitas afeta diretamente na população. A antiga Fundação das Pioneiras Sociais era que administrava todos os cemitérios Brasília e a única que fornecia as urnas funerárias. Brasília tinha um serviço de excelência nesse sentido. O GDF – Governo do Distrito Federal brigou e tomou para si essa responsabilidade, terceirizando o serviço, com isso virou um caos total em Brasília, principalmente com o cartel das funerárias existentes hoje no DF e o descaso com os cuidados com os cemitérios, além da máfia da morte desconhecida (quando o médico sabe que o paciente pode morrer e não faz nada para salvá-lo, pois tem acordos com tais funerárias). Sou testemunha disso… Portanto, é complicado brigar contra o capital.

  Publicado em: Governo

Uma comentário para Ainda sobre o médico Campos da Paz…

  1. Vanessa vieira disse:

    Amigo…solidário. ..prestativo…tive o prazer de conhecê – lo, quando morava em bsb…grande amigo e vizinho do meu avô. Pessoa do bem que só passava Boas energias quando falava…é executou não a prática na profissão. …mas a verdadeira praxi.

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