Por Mohammed Omer
Do Al Jazeera
Rafah, Faixa de Gaza – A mãe de três filhas e um filho, Umm Fadi, está tentando confortar suas crianças, mas a menina de nove anos, Raghd, chora a noite inteira enquanto os ataques aéreos israelenses continuam a atingir a Faixa de Gaza. “É difícil explicar política para as crianças. Elas ouvem os meninos de outros bairros falarem que Israel está bombardeando de novo, mas eu não consigo dizer por que”. Umm Fadi vive com o marido e os filhos no campo de refugiados de Tal al-Sultan.
Na quinta-feira, um ataque aéreo israelense matou sete civis palestinos, incluído cinco crianças. Segundo o Ministro da Saúde, é o maior número de mortes em um único ataque desde que começou a ofensiva de três dias. A estimativa do Ministério é de que 32 palestinos já tenham sido mortos, mais de 230 estejam feridos e 64 casas tenham sido completamente destruídas.
“Eu estou com medo. E minhas crianças vêm se esconder no meu quarto. Como eu posso mostrar pra elas que não estou com medo?”, diz Umm Fadi, que evita sair de casa, mesmo durante o dia, por medo se ser ferida ou morta.
De acordo com a ONG de defesa dos direitos das crianças, Defence for Children International (DCI), até quarta-feira, pelo menos oito crianças palestinas já haviam sido mortas nos bombardeios israelenses. Dezenas foram feridas. Seis crianças morreram em um único ataque aéreo quando uma bomba atingiu a casa de Odeh Ahmad Mohammad Kaware, acusado de ser ativista do Hamas.
“Para cumprir o objetivo de destruir uma casa, que não é um alvo militar, seis crianças morreram”, afirmou Eyad Abu Eqtaish, diretor da DCI. “A comunidade internacional tem a obrigação de fazer pressão em Israel pelo cumprimento das regras estabelecidas pelas Convenções de Genebra. É claro, pelo grande número de civis palestinos atingidos, que Israel está atacando indiscriminadamente a Faixa de Gaza”, diz Abu Eqtaish.
Em declaração feita na última terça-feira, o primeiro ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, negou as alegações de que o país está mirando civis. “O alvo de Israel são os terroristas do Hamas e não pessoas inocentes. Por outro lado, o Hamas ataca civis israelenses enquanto se esconde atrás de civis palestinos. Portanto, o Hamas é responsável por qualquer dano causado para civis nos dois lados do conflito”.
De acordo com o médico palestino, Ahmed Abu Tawahinah, as crianças da Faixa de Gaza estão submetidas a situações de estresse extremo e muitas delas precisam de apoio para lidar com transtornos de estresse pós-traumático. “Trauma é um termo usado no ocidente para definir situações normais, seguidas por um colapso. O colapso é o trauma. Mas pra nós, palestinos, o trauma é a vida cotidiana”, afirmou Abu Tawahina. “O termo trauma não é suficiente para descrever o que está acontecendo em Gaza. Eu não estou convencido de que nós estamos conseguindo expressar o horror dessa situação”.
Na última grande operação de Israel em Gaza, 33 crianças palestinas foram mortas. Em 2008 e 2009, na ofensiva de três semanas que ficou conhecida como Operação Chumbo Fundido (Operation Cast Lead), 353 crianças morreram e outras 860 ficaram feridas.
A Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina apurou um crescimento de 100% nos índices de transtornos de estresse pós-traumático. 42% dos pacientes tinham menos de nove anos de idade. A Unicef também apontou que 91% das criança entrevistadas em Gaza têm dificuldades para dormir, 85% não conseguem se concentrar e 82% têm sintomas de raiva e tensão.
“As crianças não tem a mesma capacidade para lidar com essas circunstâncias difíceis. Os pais e demais membros da família oferecem todo apoio que podem para os jovens, para acalmá-los e diminuir seu medo”, explica Ussam Elnounou, do Programa de Saúde Mental Comunitária de Gaza. De acordo com Elnounou, crianças traumatizadas frequentemente desenvolvem problemas psicológicos, que podem incluir um apego excessivo aos pais, tendências a molhar a cama e medo de barulhos altos, como resultado direto dos bombardeios. “Gaza está em um cerco contínuo. A situação já é muito ruim política, econômica e socialmente. Essa guerra está jogando combustível no fogo”.
Em Rafah, Umm Fadi diz que suas filhas começaram a molhar as camas, algo que também aconteceu durante a operação militar israelense de novembro de 2012. “Agora o trauma está conosco novamente. Minhas filhas se assustam até com o barulho da porta da geladeira sendo fechada”.
Tradução: Jornal GGN
Publicado em: Governo