Ao ‘JB’, ministro Marco Aurélio compara quebra de sigilos da Coaf à atuação da KGB
A movimentação suspeita de R$A282 milhões no Tribunal Regional do Trabalho do Rio (TRT-RJ) reforçou os pedidos pela livre atuação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cujos poderes podem ser reduzidos graças à ação de inconstitucionalidade movida pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Eles alegam que o CNJ tem extrapolado suas atribuições e que já teria quebrado, de maneira irregular, o sigilo de 230 mil pessoas para investigar as movimentações financeiras magistrados, inclusive de seus cônjuges. Mesmo com a garantia da minsitra Eliana Calmon, corregedora do conselho, de que tais abusos não foram cometidos, a briga do Judiciário parece longe do fim.
Para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio (OAB-RJ), Wadih Damous, o CNJ foi criado exatamente para investigar e punir possíveis desvios dos magistrados, como no caso dos R$ 282 milhões movimentados de maneira aparentemente irregular. Wadih, inclusive, enviou um óficio à presidente do TRT-RJ, Maria de Lourdes Sallaberry, pedindo explicações a respeito das transferências e a identificação dos seus responsáveis.
“O Judiciário era um poder hermético, que não prestava explicações para ninguém. O CNJ foi criado para acabar isso. Ele dá um pouco de transparência ao Poder Judiciário”, explica o presidente da OAB-RJ. Wadih também ressalta que a resistência dos magistrados em relação ao conselho não é nova. “Os tribunais nunca aceitaram a criação do CNJ, então essa tentativa de esvaziamento sempre esteve presente. A diferença é que isso nunca aconteceu com tanta virulência”.
A principal reclamação dos opositores da CNJ é o grande poder que o órgão acumula. Em liminar concedida pelo STF em dezembro, o ministro Marco Aurélio Mello decidiu que a competência do CNJ é subsidiária à atuação dos tribunais locais no julgamento de processos administrativos e disciplinares. Isso o impede de instaurar processos contra juízes antes de as instâncias estaduais terem encerrado suas apurações. Em várias ocasiões, o ministro chegou a dizer que o poder que o conselho tinha de criar deveres, direitos e sanções administrativas era “pernicioso”.
“Eu fiquei pasmo quando veio à tona a notícia de que 230 mil pessoas tiveram o sigilo quebrado e fiquei mais pasmo ainda com a atuação da Coaf (Conselho de Controle das Atividades Financeiras), um órgão digno da KGB em termos de controle de vidas alheias”, disse o ministro do STF, Marco Aurélio Mello, ao JB. “Não sou a favor de passar a mão na cabeça de corruptos, creio que eles devem ser punidos exemplarmente. Só não podemos passar por cima das liberdades individuais. Que estado policialesco é esse?”.
As investigações levantam um questionamento antigo das autoridades brasileiras: até onde vai o sigilo de uma pessoa responsável por um cargo público? No Rio de Janeiro, cinco magistrados abriram mão dos seus sigilos bancário, fiscal e telefônico ao CNJ para dar mais transparência as suas atuações.
“A privacidade e o sigilo devem ser entendidos de maneiras diferentes em relação ao cidadão comum e ao meio público”, defende Wadih Damous. “Aqueles que desempenham funções públicas não devem ficar alegando siglo, sobretudo em atividades, no mínimo, suspeitas. A privacidade não pode servir de escudo para acobertar irregularidades. Esses magistrados que estão sendo apontados pelas movimentações suspeitas no TRT-RJ deveriam ser os primeiros a vir a público mostrar suas contas, o que acabaria com qualquer suspeita”.
Tanto para os defensores da fiscalização do conselho quanto para quem crê que seus poderes devem ser reduzidos, a conclusão é que a discussão arranhou a imagem do judiciário brasileiro. No entanto, o advogado Tércio Lins e Silva, ex-conselheiro do CNJ, vê um lado positivo no embate.
“Realmente a imagem do Judiciário ficou manchada, mas isso prestou um serviço extraordinário à população, já que despertou uma grande manifestação pública pela fiscalização dos magistrados. No fim, o tiro saiu pela culatra. O que a justiça brasileira precisa hoje é de sol e brisa: sol para iluminar seus caminhos e brisa para levar a poeira embora”, aponta o ex-conselheiro.
Corregedorias estaduais
O principal apelo do ministro Marco Aurélio diz respeito às corregedorias estaduais. Para ele, estes órgãos é que devem fiscalizar a atuação do judiciário em seus respectivos estados.
“O CNJ pode avocar um processo se houver inércia da corregedoria, simulação, procrastinação ou mesmo falta de independência. O que não se pode é admitir que o conselho seja capaz de fazer melhor um serviço que pode ser feito por outros 90 órgãos”, defende Marco Aurélio. “É muito fácil esquecer as regras estabelecidas. Todos queremos a correção de rumos e o saneamento das instituições públicas, mas sem atropelos”.
O problema é que o CNJ foi criado justamente graças à inoperância das corregedorias estaduais, acusadas pelos próprios magistrados de serem cooperativistas em relação às investigações.
“Elas sempre foram inoperantes e sequer podem investigar desembargadores. Com todo respeito que tenho ao ministro Marco Aurélio, essa alegação não procede”, rebate Wadih Damous.
Publicado em: Governo