Deficiências da mão de obra nacional levam um número cada vez maior de empresários a procurar empregados em outros países
Para suprir a carência de mão de obra, 14% dos empregadores brasileiros estão buscando talentos além das fronteiras do país. Pesquisa do Manpower Group mostra que os profissionais mais procurados são engenheiros, executivos seniores, gerentes, professores e técnicos, principalmente vindos dos Estados Unidos, da Argentina, da Alemanha, de Portugal e da Espanha. Mesmo para quem quer garimpar candidatos no exterior, a jornada não é fácil. Pelos dados do estudo, 26% dos patrões reclamam dos custos, 9% têm pouco conhecimento sobre os processos de recrutamento e outros 9% enfrentam barreiras na utilização da língua.
Márcia Almström, diretora de Recursos Humanos da Manpower Brasil, considera o cenário brasileiro complexo. Em outubro, o país registrou uma taxa de desemprego de 6%, a menor da história recente. Enquanto isso, nos Estados Unidos, o índice passa de 9%. Na Espanha, chega a 22,6% e a 48% entre os jovens com até 25 anos. Aqui, embora a economia esteja em desaceleração, a perspectiva é de manutenção do quadro de pleno emprego, quando qualquer profissional, mesmo com pouca formação, consegue uma oportunidade. “A questão é que, se, por um lado, falta mão de obra, por outro, as funções demandam muita capacitação. Hoje, temos um problema de qualificação que deve ser enfrentado em conjunto pelo governo, pelas escolas e pelas empresas”, avalia.
Mesmo em setores básicos, como o comércio, a situação é alarmante. Até há bem pouco tempo, ir para trás do balcão não exigia muito mais que o ensino médio e a simpatia com a clientela. Agora, em alguns casos, é preciso até dominar uma língua estrangeira, o que será vital na Copa do Mundo e nas Olimpíadas. Não à toa, o drama dos irmãos Gustavo, 23 anos, e Renato Ninomiya, 24, que dirigem a cafeteria Café do Ponto há oito meses, só aumenta. “A seleção de um simples atendente se tornou uma batalha. São raras as pessoas que entrevistamos a ter o mínimo de qualidades essenciais para o cargo”, diz Renato. O péssimo sistema educacional brasileiro entrega ao mercado de trabalho 62% dos alunos incapazes de ler textos longos e 90% sem conhecimentos mínimos de matemática.
Diante do quadro desalentador, a diretora da Manpower avisa: as empresas devem se tornar mais flexíveis para reter os talentos. “Precisamos expandir o nosso olhar. Estamos falando de inclusão social, de mais oportunidades para mulheres, deficientes físicos e idosos”, considera. Na avaliação do economista José Márcio Camargo, da Opus Investimentos, a única solução é o investimento em educação. “A qualidade desigual do sistema educacional é passada para o mercado de trabalho”, afirma. Para ele, o resultado só virá a longo prazo. “Hoje, investimos um montante razoável em educação (cerca de 5% do Produto Interno Bruto), mas esse dinheiro é mal gasto”, critica.
Salários
Leticia Bechara, coordenadora de vestibular da Trevisan Escola de Negócios, observa que a necessidade do mercado é tão grande que as pessoas têm parado de estudar para trabalhar. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) revelam que o número de jovens entre 18 e 22 anos que saem da escola para se dedicar à carreira chega a 51,1% entre os homens e a 31% entre as mulheres. Para quem decide investir na formação e chega mais tarde ao mercado, os salários são maiores. “Os valores médios pagos para estagiários no 1º ano da faculdade ficam em torno de R$ 700. Alunos que decidem ingressar mais tarde, por volta do 3º ano, ganham quase o dobro”, diz Leticia.
Em meio à escassez de mão de obra, as mulheres ganham espaço em territórios tradicionalmente masculinos. Canteiro de obras virou lugar de mulher, como prova a encarregada de gesso Tatiana Câmara, 30 anos. Ela começou a trabalhar na construção civil há sete meses e já chefia uma equipe composta, em sua maioria, de homens. “Sempre tive o sonho de seguir essa carreira. Meu avô era pedreiro e meu pai, carpinteiro. Hoje, fiscalizo o trabalho de 30 homens e três mulheres”, orgulha-se.
Uma delas é a gesseira Ednalva Viana, 30 anos, que trabalha no ramo há nove meses e adora o emprego. “Ingressei na área porque acho interessante, não temos muita rotina”, diz. Ela afirma que nunca sofreu preconceito de gênero. “Todos me tratam com muito respeito.” O engenheiro da obra Carlos Eduardo Constantino de Oliveira afirma que não se arrependeu de ter contratado Tatiana. “Desde o início, percebi que tinha perfil de liderança. É melhor do que muito homem”, elogia.
Publicado em: Governo