O STF acertou em manter o modelo de que só os aprovados pelas provas da OAB podem exercer a advocacia?

Publicado em   30/out/2011
por  Caio Hostilio

Diante da polêmica em torno da prova de acesso a OAB, cujo teste foi efetuado hoje em 162 municípios brasileiros, eu resolvi republicar o artigo, “Faculdade de Direito: O que aconteceu?”, para uma revista especializada em educação superior, no dia 10 maio do corrente ano. Vale ler e observar o quanto o curso de direito se deixou levar pelos descasos praticados nas universidades brasileiras…

Para reflexão de magistrados, juristas, advogados, professores e alunos do curso de direito

Falar sobre o curso de Direito, sem antes comentar a história da Faculdade de Direito no Brasil, é deixar de lado uma trajetória rica e, principalmente, de sua importância na vida social, política e econônica dos brasileiros nesses quase dois séculos de existência.

Direito pode ser considerado como a ciência mãe das ciências sociais, que foi institucionalizado no Brasil através do projeto de 31 de agosto de 1826. Quem teve esse privilégio em receber as primeiras Faculdades de Direito foram as cidades de São Paulo e Olinda/PE. O Império escolheu essas duas cidades por suas situações geográficas, pois assim atenderia o Sul e o Norte do país.

Vale ressaltar que a história do Direito no Brasil é muito rica, com passado na essência do “belo”, mas, cá pra nós, eu tenho minhas dúvidas se existem muitos motivos para comemorações no presente… Principalmente no que tange seu descaso com as universidades brasileiras e, principalmente, com o fraco rendimento do curso, que perdeu o bonde da história, cujas dificuldades vão da redação de uma simples petição inicial ao comportamento num tribunal do júri.

Voltando ao passado, pode-se dizer longínquo, Direito sempre teve personalidades importantíssimas, em vários aspectos. Tanto na atuação política e social brasileira, quanto na vida literária do País (podemos citar, por exemplo, Castro Alves, Capistrano de Abreu, Silvio Romero, Tobias Barreto, Joaquim Nabuco, entre muitos outros).

Hoje, as faculdades de Direito não vemos mais os tempos áureo da mãe das ciências sociais. Na atualidade, os professores acham que não há necessidade de fazer uma pós-graduação em Metodologia do Ensino Superior por achar que são conhecedores da matéria. Só que esquecem que podem ser conhecedores da matéria pra ele e não para transmitir, pois desconhece por completo métodos didáticos. Aí está um dos porquês que os formandos estão saindo das faculdades sem nenhuma expressão política, social e literária, beirando a nulidade alienada.  

É certo afirmar que as faculdades cada dia mais voltam seus estudos para uma função mercadológica, em detrimento do ensino, da pesquisa e da extensão, dos debates com critérios questionadores e críticos.

Foi-se o tempo…

Antes um jovem, no início do curso de Direito, perplexo com o impacto de ingressar na universidade, vislumbrava com sua aprovação para um curso promissor para o seu futuro.  

Assim as informações neste escrito poderão contribuir para motivar os estudantes no sentido de um maior compromisso e empenho para com o Curso que escolheram.

Não nos parece que o Curso de Direito esgote seu significado nas possibilidades profissionais que ofereça, além de seu resgate como a ciência mãe das ciências sociais.  

Creio que quem faça com interesse o Curso de Direito sempre se beneficiará destes estudos. Principalmente se a formação recebida não tiver apenas caráter técnico. Se o estudante de Direito alarga, como convém, seu horizonte de buscas, sua curiosidade intelectual, estudando não apenas as matérias jurídicas, mas outras também (Filosofia, Sociologia, História, Antropologia, por exemplo), o Curso de Direito contribuirá significativamente para um alargamento mental e até mesmo poderá proporcionar um salto existencial.

É licito buscar “um lugar ao sol”. Mas nunca nos esqueçamos de nosso compromisso com a comunidade, a coletividade, nosso país e a própria transformação do mundo.

O estudante de Direito não deve se contentar com o curso jurídico, que, no Brasil, é extremamente precário. Não basta que se tenha a compreensão da ciência jurídica. Se você quer ser advogado, é preciso que veja também como o Direito opera na realidade, isto é, como a fórmula reage quando ela se converte numa realidade palpável. Também é preciso saber se expressar, por isso a literatura é indispensável.

É preciso empenho, dedicação. Quando perguntavam a Rui Barbosa o que era preciso para ser como ele, respondia: “Estudem como eu estudei”. É preciso muito estudo, mas também uma boa formação de história, economia, sociologia, ou seja, conhecimentos gerais.

Os advogados chegaram ao apogeu nos anos 30, pois foram caracterizados por uma grande efervescência, tanto no plano econômico/social como no da cultura.  Essa explosão se constituiu num “eixo catalisador: um eixo em torno do qual girou, de certo modo a cultura brasileira, catalisando elementos dispersos para dispô-los numa configuração nova”.  Foi um marco, no sentido de estabelecer uma unidade em termos culturais, tecendo no âmbito da nação, uma trama que reunia os acontecimentos regionais. 

Nessa década os advogados encontraram outra forma privilegiada de expressão do pensamento e do saber produzidos. Os debates até então, expressavam uma preocupação em torno da centralização do poder, crises das sociedades modernas, papel das elites e das massas, além da tentativa de desvendar o passado nacional, discutir o papel dos partidos com a defesa da sociedade anterior a 30, numa postura autoritária e conservadora. Os advogados afastaram os obstáculos ao pleno florescimento da sociedade brasileira autêntica, principalmente com Anísio Teixeira da educação.

Enquanto Ciência, o Direito propõe uma forma de interpretação da realidade por meio de uma linguagem própria, qual seja, a normativa. O objeto científico da Ciência do Direito é a norma jurídica. Dela são extraídos preceitos que evocam padrões de conduta, consagram princípios, estabelecem valores e fixam dogmas que engendram o fenômeno jurídico.

O fenômeno jurídico depende das relações sociais para o seu surgimento. Com o intuito de demonstrar a certeza dessa afirmação, a doutrina se vale da ilustração literária. Essa alusão busca ilustrar a idéia de que a relação social (intersubjetiva) é pressuposto necessário para a ocorrência dos diversos fenômenos sociais, tais como a religião, a etiqueta, a política, a moral, o direito, entre outros.

De fato, o Direito pertence ao campo das Ciências Sociais, visto que o fenômeno jurídico requer o elemento humano como condição sem a qual não ocorrem os eventos que lhe interessam.

As denominadas Ciências Físicas/Naturais estudam eventos científicos cuja fenomenologia resulta de fatores que independem da presença humana para a sua manifestação (ciências ônticas). Das Ciências Físicas e Naturais surgem “leis” de conteúdo exato, mensuráveis objetivamente, neutras quanto ao elemento humano, porque indiferentes à ação cultural. Os eventos ocorrem espontaneamente, sendo fruto de uma aptidão intrínseca da coisa estudada.

Diante disso, as Universidades perderam o sentido real, visto que as ciências sociais e humanas se afastaram da direção desses campos. A conseqüência é a falácia do ensino superior, principalmente na indissociabilidade em ensino, pesquisa e extensão.

Esse não é o ambiente no qual florescem os ramos das Ciências Sociais. O fenômeno social, cientificamente estudado, é alvo de intensa subjetividade humana que atribui ao evento examinado um juízo de valor. Por isso, as Ciências Sociais são consideradas ciências deônticas, porque delas surgem “leis” que refletem a percepção humana sobre o fato social investigado. A intelectualidade e a volitilidade humana são fatores indispensáveis para a formação do contexto dos fatos sociais, porque funcionam como elementos de condicionamento dos eventos. No âmbito das Ciências Sociais a fenomenologia tem na cultura um fator subjetivo marcante quanto à avaliação, conclusão e determinação dos fatos que lhe dão conteúdo.

Particularizando a percepção jurídica dos fatos sociais, a forma pela qual o Direito interpreta a realidade é a normativa. Ou seja, se determinado evento social apresenta relevância jurídica, é possível expressá-lo sob a forma de norma (regra de conduta, regra de competência, regra de organização, regra principiológica, etc.).

Tomemos como exemplo a evolução da relação social que vai do namoro ao casamento, passando pelo noivado. Neste caso, verifica-se que o que muda substancialmente entre o casal é a densidade das responsabilidades sociais que vão sendo assumidas com o amadurecimento da convivência mútua. O namoro e o noivado, enquanto fatos sociais em si mesmo analisados, dispensam, a princípio, a presença das regras de Direito.

Nestes estágios, relação se constitui, mantém-se e extingue-se a revelia das normas de Direito. O mesmo não acontece com a união estável e com o casamento. Como conseqüência, a figura da fidelidade conjugal é diferentemente enxergada em cada uma dessas formas de relação social. Mais do que compromisso moral, a fidelidade é, especialmente no casamento, cláusula contratual fundamental da relação jurídica, comportando efeitos jurídicos bastante complicados para aquele que a inobserva.

Para evidenciar a natureza autônoma do conhecimento jurídico em relação aos demais campos do conhecimento humano, tomemos a situação do cônjuge traído pela infidelidade do indigno consorte. Ao se dirigir a um psicólogo, a um clérigo e a um advogado, conta-lhes, basicamente, a mesma história, ou seja, a traição. Todavia, ao psicólogo interessa analisar o fato sob ótica própria; ao religioso interessa enxergar o fato sob a ótica dos cânones religiosos, intitulando a falta infracional como pecado; já ao profissional do direito interessa a verificação da ocorrência sob o ponto de vista contratual.

Assim, conclui-se que o Direito é, de fato, uma expressão de natureza científica, considerando a sua peculiar forma de enxergar a realidade. Corroboram essa conclusão os exemplos que se seguem:

O Direito na Literatura:

Foram vários os advogados que seguiram a literatura. Como não podemos relacionar todos, cito um dos grandes nomes do “Estilo Romântico”, José de Alencar. Ele afirmara que o curso de direito lhe deu muita inspiração, pois se discutia tudo: Política, Arte, Filosofia, Direito e, sobretudo, Literatura. Era o tempo do Romantismo, novo estilo artístico importado da França. Esse estilo apresentava, em linhas gerais, as seguintes características: exaltação da Natureza, patriotismo, idealização do amor e da mulher, subjetivismo, predomínio da imaginação sobre a razão. O Romantismo se tornando um estilo de vida. Seus seguidores, em sua maioria, eram os acadêmicos de Direito.

O Direito da Política:

O baluarte foi Rui Barbosa. Advogado, jornalista, escritor, jurisconsulto e político, foi um dos brasileiros de maior projeção em seu tempo. Como advogado e homem público foi e é exemplo para as gerações posteriores. Sócio-fundador da Academia Brasileira de Letras, Rui Barbosa sucedeu a Machado de Assis na presidência da casa.

O Direito na Educação:

Falar sobre um educador de tamanha importância não é, deveras, uma tarefa simples, mas por demais complicada. Nesta breve tentativa de resgatar uma parte da história educacional brasileira, não se pode deixar de falar do advogado Anísio Teixeira, que revolucionou a educação brasileira, principalmente em seus princípios essenciais: A importância da gratuidade do ensino e de uma educação para todos.

O Direito no jornalismo e na música:

Vinicius de Moraes foi muito mais que nosso ‘Poetinha‘, apelido carinhosamente atribuído a ele. Marcus Vinicius da Cruz de Melo Moraes foi compositor, intérprete, escritor, jornalista, advogado, diplomata. Uma pessoa que viveu a vida ao máximo, passou uma metade dela viajando, a outra amando (teve nove casamentos).

Na vida jurídica:

Ruy Barbosa, Pontes de Miranda, Miguel Reale, Clovis Beviláqua, Nelson Hungria, Hely Lopes Meirelles, Vicente Rao, José Frederico Marques, José Carlos Moreira Alves, Sobral Pinto e hoje o Ministro do STF Carlos Ayres Britto. Sergipano de Propriá, Ayres Britto pode ser denominado como jurista e poeta.

Antonio Sérgio de Moraes Pitombo define bem o que é o curso direito: “A sua relação com os livros não é limitada ao mundo do Direito. Pitombo avalia que há obras e autores essenciais, não necessariamente jurídicos, para que o advogado consiga convencer por meio da argumentação, como os sermões de Padre Antonio Vieira, importante defensor dos direitos humanos dos povos indígenas, no século XVII, e Nova Floresta, do padre Manuel Bernardes. Pitombo também costuma iniciar suas petições com frases de autores como Camões e Fernando Pessoa que ilustram o caso e chamam a atenção do juiz”.

Com se pode ver, o curso de Direito em sua essência representa com maestria das ciências sociais, pois para ser um excelente advogado é necessário o poder da palavra escrita, pois as petições iniciais dão a compreensão e a decisão de um processo. O poder da palavra articulada, pois precisa ter um bom poder persuasão, para isso precisa de conhecimentos na arte cênica, na filosofia e na pedagógica. Para maior conhecimento, o advogado tem que saber rebuscar as ciências do positivismo que são muito usadas atualmente nos júris, que são a sociologia, a antropologia, a psicológica e o jornalismo.

  Publicado em: Governo

2 comentários para O STF acertou em manter o modelo de que só os aprovados pelas provas da OAB podem exercer a advocacia?

  1. […] Caio Hostilio disse: 30 de outubro de 2011 às 17:38   (Editar) […]

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