Essa matéria eu escrevi no dia 08 de maio de 2011:
Saúde Pública: Regular ou gerenciar? Eis a questão!!!
O sistema de saúde do país vem passando por grandes transformações nos últimos 20 anos. A implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) e a expansão dos convênios modificam, gradualmente, o perfil da assistência prestada.
Poucas são as pessoas que sabem que eu vim parar em São Luís, no ano de 1993, como um dos seis funcionários da Associação das Pioneiras Sociais incumbidos para receber o Hospital Sarah de São Luís. Entrei no corpo de funcionários do Sarah, em 1983, quando o hospital ainda era vinculado a Fundação das Pioneiras Sociais (Ministério da Saúde), fundação essa criada por D. Sarah Kubitschek e D. Hilda Sayão, nos idos de 1959. Ainda tive a honra de trabalhar com D. Sarah no prédio das Pioneiras Sociais.
O Sarah foi para mim uma escola de aprendizagem fenomenal, em vários aspectos, principalmente pela valorização e o empenho de todos na busca de um só objetivo. Dr. Campos da Paz sempre fez questão de reunir todos os funcionários, no auditório do Sarah de Brasília, para expor a necessidade da união de todos para que o projeto desse certo.
Não me esqueço dele dizendo que não se faz hospital de qualidade sem um corpo de enfermagem de qualidade, visto que são esses profissionais que levam uma unidade nas costas. Aí vem a minha memoria enfermeiras como Diana (hoje na UNB), Waldeney (hoje na UFMA), Rebeca (consultória no Maranhão), Solange, Domingas (já aponsetada) e tantas outras. Dizendo ainda que saúde de qualidade só se faz com profissionais com dedicação exclusiva.
Recordo-me dele fazendo um triangulo de cabeça para cima e outro de cabeça para baixo. O de cabeça para cima, ele fez um pequeno corte na parte de cima do triângulo e disse: “Esse aqui é o exemplo do Sarah, que tem somente 40 médicos e atende 500 pessoas por dia no ambulatório (Brasília), cuida de 600 leitos e realiza em média 20 cirurgias por dia. O triangulo de cabeça para baixo, Campos da Paz fez um corte na parte de cima e disse: “Esse é o exemplo do Hospital de Base (Brasília), onde têm 600 médicos, que não conseguem atender 500 pacientes no ambulatório, os 450 leitos e não fazem a quantidade suficiente de cirurgia que a população necessita”. “A diferença é que somos exclusivos e lá os médicos atendem já preocupados em partirem para seus consultórios particulares”. Ele disse isso no ano de 1989.
Não me esqueço de Campos da Paz chegar, em seu Puma verde convencível, logo cedo, e ir visitar todas as dependências do hospital, principalmente áreas fundamentais no suporte eficiente a atividade fim, como o setor de higienização, lavanderia e nutrição, além de nunca deixar de passar pelo 1º estágio (UTI).
Lembro-me, ainda, de sua preocupação quando viu a atividade fim está na frente da atividade meio vários anos de evolução. Campos da Paz deu de imediato o apoio necessário que para nós ficássemos ao nível da atividade fim, que sempre teve o apoio a pesquisa e a extensão. Os mais antigos devem relembrar de Diolino dando aula para todo o corpo de médicos da instituição, pois conhecia o corpo humano como ninguém.
Quantas vezes eu vi Lucinha, hoje a substituta de Campos da Paz, pesquisando horas e horas na escolinha (prédio anexo ao Sarah de Brasília) no Ginásio de Fisioterapia e no laboratório do aparelho locomotor. Muitos não sabem porque os hospitais Sarah não tem paredes e as aberturas grandes de um lado e do outro. Essa curiosidade, Campos da Paz e Lelé, arquiteto, disseram que a ideia partiu dos hospitais portugueses, que apresentam o menor índice de infecção hospitalar exatamente pela ventilação constante, coisa diferente dos hospitais tradicionais americanos e ingleses, em forma de caixote, ou seja, um prédio vertical dividido com muitas paredes, que servem de casa para as formigas, grandes transportadoras de infecção, além da falta de ventilação natural.
Tive o privilegio de trabalhar com pessoas como Cláudio Duarte (irmão da atriz Regina Duarte). Ele foi o idealizador da Cama-maca usada pelo Sarah e adquirida por vários países. A Fabricação era toda feita no Equihpos, um centro de estudo criado por Campos da Paz para projetar e fabricar cadeiras de rodas, as Camas-macas, bengalas canadenses, materiais ortopédicos e até próteses e outros materiais de implante, como a protese de colo do femo, que na época, antes de eu vir embora era adiquirida na Baumer. Campos da Paz diminuiu muito os custos da rede através do Equihpos.
Sair do Sarah em 1996, já aqui em São Luís. Toda vez que volto a Brasília, muitos amigos e parentes perguntam se eu não teria me arrependido de ter deixado o serviço público federal, onde tinha estabilidade e um cargo excelente, para optar em ficar no Sarah regido pela CLT. A minha resposta é sempre não. Pois fui várias vezes ao Congresso Nacional, quando da votação do contrato de gestão para brigar por ele, pois se o Sarah continuasse regido pelos ditames das leis que regulamentam o serviço público, a rede não teria expandido e não seria o que é hoje, além da sua insistente busca pela perfeição através das pesquisas científicas.
Já fiz vários artigos sobre o Sarah e hoje tive a felicidade de encontrar uma recente entrevista dada por Campos da Paz ao jornal Correio Braziliense, no dia 26/03/2011, cujo teor vem confirmar as coisas por mim ditas, como a participação de Sarney, como presidente da República, na elaboração da rede de hospitais Sarah.
Abaixo alguns trechos dessa entrevista, que serve como base para o que falei, também, recentemente a respeito do distanciamento das universidades públicas no que tange a indissociabilidade em ensino, pesquisa e extensão, de sua autonomia, além da modificação no currículo do curso de medicina, que precisa resgatar sua verdadeira vocação.
Memórias de um homem diferente
O médico que escreveu seu nome na história ao criar a Rede Sarah. Ele conversou sobre saúde pública, medicina, política e muito mais
Aloysio para os íntimos, a família. Os pacientes, colegas médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, familiares de doentes e políticos preferem doutor Campos da Paz ou simplesmente Campos da Paz. Independentemente de como o chamam, o certo é que o nome Aloysio Campos da Paz Júnior está escrito na história da medicina. É o nome do criador da Rede Sarah de Hospitais do aparelho Locomotor, o Sarah.
O fato de o senhor ser definido como “diferente” tem a ver com a sua formação familiar: metade comunista, metade militar?
Sim, mas não maniqueísta. É preciso dizer que o Sarah foi construído durante o regime militar. O projeto militar foi aprovado pelo Geisel (Ernesto Geisel, ex-presidente brasileiro entre 1974 a 1979) e consolidado no regime civil. A criação dessa instituição transcendeu aos acontecimentos políticos que marcaram a época, onde ela foi planejada e implantada. Qualquer governo quer ser bem-sucedido. Quer construir alguma coisa e passar para a história. Se você tem um bom projeto, tem um conceito, se você é definido como um sujeito que briga pelas suas idéias, há a possibilidade de ser bem-sucedido. Não há mágica nenhuma nisso.
O governo militar, então, ajudou na implantação do Sarah?
Nessa época, eu fui recolhido mais de uma vez para dar explicações (risos). Você tinha vários planos. Um era o vil, da opressão… Coincidiu que o projeto do Sarah foi apresentado a uma pessoa extremamente lúcida, o Reis Velloso (João Paulo), que tinha criado a Seplan (atual Ministério do Planejamento), um centro de planejamento muito avançado. De lá saiu a idéia de criação da Embrapa, as transformações da Petrobrás e a criação do Sarah, entre outras coisas. Era um centro que reunia pensadores, economistas, engenheiros, educadores, pessoas responsáveis pela elaboração de projetos que mudaram a face do país. Acho que o melhor exemplo foi a criação da Embrapa: o país jamais seria uma potência agrícola hoje se não existisse essa instituição e a pesquisa desenvolvida nela. Esses exemplos nada têm a ver com ditadura ou democracia: tem a ver com competência.
O que Sarah representava para contrariar interesses tão importantes?
Um hospital (e agora uma rede de hospital) desse porte, que atende gregos e troianos, do cidadão mais pobre ao com maior renda per capita do país. Todos são atendidos igualmente, de graça. Quando você atende uma pessoa com uma grande poder econômico, e atende bem, a instituição contraria interesses econômicos. A indústria médica e os planos de saúde, que deturparam a assistência médica, não só no Brasil, mas no mundo todo, não gosta deste tipo de atendimento. Você está sempre sob pressão desses setores que vêem na medicina uma fonte de lucro.
O senhor fala em “trambiclínicas” e “trambifaculdades”. Nós estamos vivendo em um período de “trambimedicina”?
Estamos em um período de exacerbação, em que há uma proliferação de faculdades de medicina, que jogam no mercado profissionais desqualificados; sem programas de pós-graduação bem estruturados e com o único objetivo de lucrar. Ocorre uma confusão deliberada entre setor produtivo e setor de serviços. Ao praticar medicina, não estou fabricando automóveis; estou tratando de seres humanos. Então, eu não posso usar na prática médica a lógica do setor produtivo: se eu opero mais, ganho mais. A grande distorção que ocorre na medicina, não só aqui, mas também nos Estados Unidos e agora na Inglaterra, é a confusão entre o setor produtivo e o de serviço: você ganha pela quantidade, não pela qualidade ou pelo envolvimento. Isso é o que eu chamo de “trambimedicina”. O país militarmente mais poderoso do mundo, os Estados Unidos, não conseguiu resolver o problema. Os projetos de mudança na área de saúde, primeiro com o (Jimmy) Carter, depois com o (Bill) Clinton e agora com o (Barack) Obama foram engavetados porque contrariam os interesses das grandes corporações: da indústria farmacêutica e da de equipamentos médicos. O que ocorreu foi uma industrialização da assistência médica. Se você participa de um congresso médico, você vê uma exposição de aparelhos e de remédios maior do que a apresentação e a discussão de temas científicos. O Brasil está seguindo o mesmo caminho. O nosso país está muito vulnerável, pois temos o problema da colonização cultural, Qual a aspiração de uma pessoa que ascendeu socialmente? É entrar em um avião e passear em Miami. Só que ele não sabe que Miami não faz parte dos Estados Unidos. Nenhum americano, de bom neurônio, considera Miami como Estados Unidos (risos).
Por que o governo brasileiro não o adota o modelo do Sarah na gestão de grandes hospitais, como o Hospital de Base?
Você teria que mandar para casa a minha geração. Você só constrói, muda, se convencer os jovens. E você só convence os jovens se praticar o discurso que você faz… Um professor faria todo um discurso sobre dedicação exclusiva e às 5 horas da tarde pede licença para ir para o consultório particular. A transformação da assistência médica depende de uma conciliação do discurso com a prática. Não é complicado, mas demanda coragem. Uma luta política que vai conflitar com grandes corporações, com interesses pessoais bastante arraigados. O objetivo da rede Sarah hoje não é o de resolver o problema de assistência médica no país. Jamais foi! É o de criar um modelo que seja contraditório, para que a população entenda que pode existir um modelo diferente do que está por aí. Um pensador disse certa vez que o Sarah é um belo modelo de contradição. É preciso dizer que Brasília começou com um modelo de assistência médica semelhante ao Sarah. Ele foi deturpado pelo tempo.
Esta deturpação ocorreu em que momento?
O plano médico-hospitalar elaborado por Henrique Bandeira de Mello era semelhante ao que se faz hoje no Sarah. A deturpação não dependeu de nenhum governo. Ela foi de dentro para fora, decorrente de ambições pessoais. O sujeito que inaugurou a primeira clínica de saúde particular de Brasília trouxe o Christian Barnard para por a mão em um carimbo de tinta e em seguida fazer a cópia em uma parede. Ele era um símbolo de competência. Barnard tinha acabado de fazer o primeiro transplante de coração do mundo (1967). Esta tendência pela iniciativa privada foi aumentando e hoje domina.
Então o sistema público será engolido pelo privado?
Não é o que prevê a Constituição. Fui assessor da comissão de Saúde da Constituinte (entre 1986 a 1988) e criei a frase “Medicina é um dever do Estado e um direito do cidadão”. Só que nos capítulos seguintes determinam que quando o estado não puder prover, ele contrata a iniciativa privada. O que ocorre: o médico trabalha para o Estado e para a iniciativa privada. O médico e todo mundo. Aí implode o hospital público para transferir para o hospital privado, para obter lucros. Isso é o que está acontecendo. Essa decadência do serviço público no Brasil, que agora está sendo transferindo para a educação, decorre dessa coisa esquizofrênica. Quem paga essa conta somos nós, com o Imposto de Renda. O mesmo recurso que financia a Rede Sarah, vem da mesma fonte que financia o serviço privado no país. Na Constituinte, nós propomos o seguinte: você quer fazer medicina privada, ótimo; corra o risco do capital; o governo não pode bancar isso. No entanto, essa tese foi deturpada na elaboração da Lei Orgânica da Saúde.
O senhor também critica o isolamento de pessoas doentes em UTIs. Para o senhor, com mais de 50 anos de prática médica, como deve ser o tratamento de um paciente grave?
Eu venho de uma época em que as famílias, incluindo as crianças, estavam ao lado das pessoas queridas antes delas morrerem. Isso aconteceu no falecimento da minha avó e do meu avô, como conto no livro. Eu acho, no mínimo, cruel isolar uma pessoa dos seus entes queridos quando ela vai morrer.
Como deve ser o tratamento de uma pessoa em estágio terminal?
No Sarah, não temos UTI. Todos os equipamentos de cuidados intensivos podem ser levados de um lado para outro. Temos uma unidade que chamamos de primeiro estágio, onde há uma concentração maior de pessoas, que sabem lidar com esses aparelhos, mas a família entra. Não entram multidões, mas poucas pessoas, tomando cuidados contra infecções hospitalares. O importante é que a família esteja junto.
Essa experiência pode ser adotada por outros hospitais?
Tudo é possível. Basta querer. O problema não é de possibilidade, mas de vontade.
Quais foram pessoas importantes na criação do Sarah?
João Paulo de Reis Velloso. Foi uma pessoa que fez um trabalho muito importante no Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica aplicada) e na Seplan na década de 1970. Sem ele, dificilmente o projeto seria aprovado. Na elaboração do projeto, Eduardo Kertesz, que já morreu de câncer de pâncreas. Na transformação do Sarah como embrião de um projeto que veio a se tornar nacional, o ex-presidente José Sarney. Depois, alianças com pessoas como Lucio Costa, Pompeu de Souza, Darcy Ribeiro… Muitas pessoas de ontem e de hoje, várias delas que fazem parte do conselho. A ideia de criar o conselho, para respaldar os princípios e o cotidiano do Sarah, foi do Magalhães Pinto (José de Magalhães Pinto, político mineiro e criador do Banco Nacional). Quando eu lutei para que o Congresso aprovasse a lei que dei origem a rede Sarah (no início dos anos 1990), várias pessoas ajudaram nessa missão. Até então, o Sarah era uma fundação, vinculada ao Ministério da Saúde. Com a lei (aprovada em 1991), passou a ser uma associação (das Pioneiras Sociais) com contrato de gestão com o Ministério da Saúde. Portanto, uma instituição pública, não estatal. É difícil mencionar nomes sem fazer injustiça. São tantas pessoas…
A Rede Sarah precisa ser ampliada?
Não! Não. Você não faz assistência médica com tijolo, com estrutura metálica. Você faz com gente. E hoje no Brasil gente com G é muito difícil, devido ao grande número de faculdades de medicina que preparam pessoas sem qualificação e não há cursos de pós-graduação. Eu te dou um exemplo: Em 1917, a situação nos Estados Unidos era semelhante a que vivemos hoje aqui. O governo americano pediu um relatório, denominado Flexner. Era uma época em que médicos puxavam carochinha, vendendo xaropes de longa vida. Flexner fez o levantamento e propôs o fechamento da maioria das faculdades de medicina. A medida foi adotada em 1921/22 e implantou-se a residência médica. Além disso, o médico para praticar a profissão tinha de fazer uma pós-graduação em um serviço médico. A medicina americana deu um grande salto. Agora, está em crise devido a problemas econômicos, às grandes corporações e aos planos de saúde.
O governo brasileiro deve tomar a mesma atitude agora para melhorar a qualidade do ensino médico?
A qualidade do ensino médico começa pela qualidade da educação fundamental. Esse negócio de ficar abrindo faculdades, achando que vai melhorar a qualidade e o acesso é besteira. O Brasil tem que investir pesado na educação fundamental, para criar novas gerações qualificadas, que vão abrir os seus caminhos e ingressar no ensino superior – ser médico, engenheiro, advogado, fotógrafo… Esse problema não se resolve em um governo; resolve-se em três décadas, no mínimo, se começar hoje. Tem que se aplicar todos os recursos para educação no ensino fundamental. Todos. Manter as universidades federais. E as universidades particulares que se virem; elas cobram. Não podem receber subsídios do estado, como bolsa-educação. Um absurdo!
A medicina evoluiu, temos equipamentos modernos para tratar doenças. O homem também evoluiu, aprendeu a se cuidar?
Não! A evolução tecnológica não implica necessariamente em uma evolução do padrão de assistência. Ela pode implicar em um prolongamento de vida em situações que antes não tinham solução. Eu te dou um exemplo: Charles Darwin, que mudou o mundo com a Teoria da Evolução, tinha doença de Chagas. Ele a contraiu provavelmente nas viagens que fez pela América do Sul. Ninguém sabia o que era essa doença, que só foi descrita no final do século 19, início do 20. Hoje você sabe, o diagnóstico feito, a pessoa tratada e a vida mantida. Outro ponto importante: avanço tecnológico não significa necessariamente melhor qualidade de serviço. Meu avô quando usava o estetoscópio (no início do século 20) sabia a lógica da transmissão da onda sonora. Portanto, entendia o princípio que regia o funcionamento do estetoscópio quando ouvia as batidas do coração. Se você perguntar hoje para 10 radiologistas quais são as fórmulas de física que regulam ou determinam o funcionamento de uma ressonância magnética, a maioria não sabe. E há uma contradição: o equipamento gera uma imagem a partir de uma informação digital, mas ela é analisada quando é convertida analogicamente. Você possui uma tremenda tecnologia, uma evolução fantástica e a leitura dela é semelhante à leitura de um raios-X. Há contradições do bom uso e do mau uso da tecnologia.
Qual é o ponto mais importante da criação da rede Sarah?
Desde a origem do projeto a missão principal é formar gente. Centenas e centenas de profissionais se formaram na rede Sarah. Muitas ficaram, muitas saíram. O sucesso da instituição se deve a um projeto constante, cotidiano e coerente de formação. E é uma formação que não implica somente no conhecimento da técnica; implica também em opções ideológicas. Não é fácil atrair um jovem para dedicar a sua vida a uma causa. O Sarah é uma causa. A pessoa larga tudo para ficar em tempo integral, com dedicação exclusiva. É bem paga, pois vivemos em uma sociedade de consumo. Precisa se dedicar e nem todas as pessoas querem correr o risco de cortar as amarras. Muitas vêem, trabalham, se qualificam e vão para os que eles chamam “a selva”. Alguns voltam da “selva” em outras seleções, porque aqui só é admitido com concurso público, bastante rigoroso.
A procura é grande por esses cargos?
Sim. Porém, um retrato do que ocorrendo na formação universitária brasileira ficou claro em um dos últimos concursos. As vagas eram para profissionais de nível superior, de uma área específica. Na primeira fase, apresentaram-se 1,5 mil candidatos. Oito foram aprovados. Desses oito, ficaram apenas seis na última etapa da seleção, que é o treinamento em serviço.
O Sarah também revolucionou o serviço de fisioterapia, com o atendimento personalizado de pacientes?
Sim. Sempre foi assim. Eu trouxe esses métodos da minha experiência quando fiz cursos de formação na Inglaterra e depois nos Estados Unidos. Desse aprendizado trouxe a relação de um paciente para um fisioterapeuta. E também a relação coletiva, quando você tem que discutir problemas comuns com famílias em que adultos e crianças têm o mesmo problema. Outro ponto é contextualizar uma explicação para o paciente. É preciso falar várias línguas em uma língua só. É preciso explicar para uma pessoa humilde, com pouca instrução, o que deve ser feito em uma linguagem que ela compreenda, usando exemplos que ela possa entender. Tudo baseado em um paradigma que está afixado na parede do hospital: “Você não simplifica aquilo que você não conhece”.
Como o senhor vislumbra a reabilitação física no futuro?
A contradição entre reabilitação e medicina está escrita nas paredes do hospital Sarah. A medicina convencional parte do não e a reabilitação do sim. O paciente não tem uma boa pressão (arterial), não estou ouvindo o coração, não está urinando, não isso, não aquilo. E a reabilitação se baseia, e vai cada vez mais se basear, no potencial que restou da pessoa.
Há compreensão médica sobre a importância desses temas?
É um tema muito novo, que a medicina convencional não compreende. Porque a medicina é, como muitas coisas na vida, um exercício de poder: o poder que o médico tem sobre um determinado doente é uma coisa inimaginável. A grande questão ética ou moral consiste no seguinte ponto: que esse poder seja usado em benefício do paciente e não em benefício próprio, para aferição de lucro. Essa é a questão central da assistência médica. Não quero dizer que vá se formar um bando de sacerdotes desvairados. A sociedade tem que compreender que o médico precisa ser remunerado condignamente e o médico tem que compreender que não sabe tudo e precisa se dedicar mais à pesquisa e ao estudo. O que sabemos? A estrutura do DNA. E aí? E o que está além? Há um mundo para ser descoberto, que vai beneficiar as pessoas. Você não vê a aplicação direta dos grandes avanços científicos na área da bioquímica molecular e da nanotecnologia com a prática médica. Há um descompasso entre os pesquisadores e os avanços que eles proporcionam com a prática. O interesse é ganhar dinheiro.
Publicado em: Governo
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